COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL: DECLARAÇÃO JUDICIAL DE INEXISTÊNCIA1

1. Explicações preliminares

A denominada Teoria do Processo - como de resto todo o Direito Público -, desde as duas últimas décadas do século passado vem passando por análises que nos autorizam a afirmar que quebram, sobretudo nos sistemas que mais sofreram a influência do Direito Romano, as concepções rígidas e tradicionais, para dar lugar a uma visão que objetiva, muito mais do que um rigor nas formalidades, alcançar a efetividade do pronunciamento judicial 2.

Por outro lado, a Constitucionalização do Processo impulsiona na direção de que todo o sistema infraconstitucional processual deve obediência àquilo que se encontra determinado na Lei Maior, o que, de resto, não é nenhuma novidade, dado que a característica da Supralegalidade, indispensável àquela nos sistemas escritos, deságua, necessariamente, no Controle da Constitucionalidade como recurso a ser utilizado toda vez que a Lei ou Ato (legislativo executivo ou judicial, pouco importa) afronte os mandamentos superiores.

Neste estudo, nossas atenções estarão voltadas para dois pontos, a saber: inicialmente, discutiremos o que se vem denominando de Relativização da Coisa Julgada, a qual, apesar de entre nós possuir sede constitucional (CF, art. 5º, XXXVI), vem passando por uma nova interpretação, que a encara não apenas de forma isolada, mas levando em conta os Princípios Constitucionais de Hierarquia Superior à norma, tal como foi por nós analisado em diversas ocasiões, sobretudo nos livros: O Valor da Constituição (Do Controle de Constitucionalidade como Garantia da Supralegalidade Constitucional)3 e Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional4.

Nesta perspectiva, a matéria tem sido analisada por JOSÉ AUGUSTO DELGADO, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA, além de FRANCISCO BARROS DIAS, cujos entendimentos serão apresentados nas páginas seguintes.

Em seguida, voltaremos nossas atenções para a questão da Coisa Julgada Inconstitucional e a sua inexistência, enfrentando aqueles casos em que a Coisa Julgada atente, por exemplo, contra os princípios constitucionalmente consagrados; discutirmos os meios de Ataque à Coisa Julgada Inconstitucional, existentes (em nosso entender) no ordenamento jurídico brasileiro; finalmente, apresentaremos nossa posição frente à necessidade de que seja declarada, judicialmente, a inexistência da Coisa Julgada Inconstitucional.

Bem sabemos que a aceitação destas idéias não será fácil, sobretudo porque, e como foi dito, nossa formação jurídica privilegia mais o rigor nas formalidades, do que alcançar a rescindibilidade da coisa julgada para fazer efetivo um pronunciamento judicial constitucionalmente válido (correto).

2. Princípio da Coisa Julgada. Coisa Julgada Formal e Coisa Julgada Material. A Relativização da Coisa Julgada frente aos Princípios constitucionais da Justiça, da Moralidade e da Legalidade

Frente ao Princípio da segurança jurídica, que deve nortear todo sistema jurídico, a coisa julgada representa, sem dúvida, um dos mais importantes princípios constitucionais dirigidos ao processo.


1 Capítulo do livro Constituição e Processo, a sair, brevemente, pela Editora Forum. Texto publicado na Revista Fórum Administrativo - Direito Público. Belo Horizonte, Ano 2, n. 15, maio/2002, p. 588-607.

2 Neste sentido, é indispensável a leitura do livro El Derecho Procesal en el siglo XX, escrito por JUAN MONTERO AROCA (Tirant lo blanch, Valencia, 2000, especialmente p. 57-98).

3 Rio de Janeiro: Renovar, 2. ed. rev. e aum., 2001.

4 Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995.


Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Acre



Inserido na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVI, por ele "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" 5, sendo que, no Decreto-Lei nº 4.657, de 4.9.1942 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro), encontram-se os conceitos legais de cada um dos elementos que formam o comando constitucional.

Assim, em seu art. 1º caput, determina o mencionado diploma infraconstitucional, que "salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada", enquanto no art. 6º caput se lê: "a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

No seu § 1º prescreve que "reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou", sendo que no § 2º está dito: "Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem" 6.

Finalmente, "chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não cabe recurso" (§ 3º). O Código de Processo Civil, por seu turno, prescreve (art. 467) que "denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário". O Código de Processo Penal, apesar de não conceituar o instituto, a ele se refere ao tratar das Exceções (art. 95, V), determinando (art. 110, § 2º) que "a exceção de coisa julgada somente poderá ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto da sentença".

Na análise da Coisa Julgada devemos nos referir a duas perspectivas, a saber, a Coisa Julgada Formal e a Coisa Julgada Material, muito embora não devamos esquecer a observação feita por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO no artigo Relativizar a Coisa Julgada Material7, no qual, depois de propor dois alicerces para a "relativização da garantia constitucional da coisa julgada no momento presente: a) - que essa garantia não pode ir além dos efeitos a serem imunizados e b) - que ela deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos mediante as atividades inerentes ao processo civil", afirma: "O mais elevado grau de estabilidade dos atos estatais é representado pela coisa julgada, que a doutrina mais conceituada define como imutabilidade da sentença e seus efeitos, com a vigorosa negação de que ela seja mais um dos efeitos da sentença (Liebman). Não há dois institutos diferentes ou autônomos, representados pela coisa julgada formal e pela material. Trata-se de dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas: a distinção entre coisa julgada formal e material revela somente que a imutabilidade é uma figura de duas faces, não dois institutos diferentes (sempre, Liebman).


5 Em princípio, a Lei não retroage, salvo na hipótese do inciso XL, (art. 5º), igualmente previsto no art. 2º parágrafo único do Código Penal. De lembrar-se que no caso da Legislação Tributária, a entrada em vigor da Lei está condicionada ao princípio da Anterioridade, ou seja, só poderá entrar em vigor no exercício financeiro seguinte àquele que foi aprovada. Abramos um parêntese ao princípio mencionado: a instalação de um Poder Constituinte, pelo seu caráter inicial e juridicamente ilimitado, não está obrigado ao seu respeito, do que foi exemplo o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (CF de 1988): "os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título".

6 Sobre Direito Adquirido, consultem-se de nossa autoria os seguintes trabalhos: Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2. ed., 1997); Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1997); Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (in Revista da ESMAPE - Escola Superior da Magistratura do Estado de Pernambuco. v. 2, n. 3, abril de 1997); Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (in Ltr, Suplemento Trabalhista, 016/97, p. 079-092); Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade. A Intangibilidade do Direito Adquirido face às Emendas Constitucionais (in Revista da Procuradoria Geral da República, n. 9, jul/dez 1996); Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (in Revista de Direito Administrativo, Editora Renovar, out-dez, 1996, v. 206).

7 In Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, SP (55/56): 31-77, jan./dez. 2001, p. 35-36.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


A coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito. (...) Esse status, que transcende a vida do processo e atinge a das pessoas, consiste na intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, de modo que nada poderá ser feito por elas próprias, nem por outro juiz, nem pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que houver sido decidido (ainda Liebman). Não se trata de imunizar a sentença como ato do processo, mas os efeitos que ela projetou para fora deste e atingem as pessoas em suas relações - e daí a grande relevância social do instituto da coisa julgada material, que a Constituição assegura (art. 5º, inc. XXXVI) e a lei processual disciplina (arts. 467 ss).

Com essa função e esse efeito, a coisa julgada material não é instituto confinado ao direito processual. Ela tem acima de tudo o significado político-institucional de assegurar a firmeza das situações jurídicas, tanto que erigida em garantia constitucional.

No primeiro sentido, a Coisa Julgada Formal "resulta - como ensina JOSÉ FREDERICO MARQUES8 -, da impossibilidade de novo julgamento pelas vias recursais, ou porque este foi proferido por órgão do mais alto grau de jurisdição, ou porque transcorreu o prazo para recorrer sem que o vencido interpusesse recurso, ou finalmente porque se registrou desistência do recurso ou a ele se renunciou".

Em monografia intitulada Coisa Julgada Civil (Análise e Atualização)9, SÉRGIO GILBERTO PORTO observa que:

a projeção da coisa julgada material diverge da formal, pois, enquanto esta se limita à produção de efeitos endoprocessuais - internos -, aquela os lança de forma pan-processual - externa -, motivo por que se impõe perante demandas diversas daquela em que se verificou, tornando inadmissível novo exame do assunto e solução diferente a respeito da mesma relação jurídica, seja por outro, seja pelo mesmo juízo que a apreciou.

PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Contribuição à Teoria da Coisa Julgada), depois de lembrar que "os julgamentos de não-mérito, porque não resolvem o litígio, não impedem o retorno da matéria ao Judiciário, outra vez provocado em novo processo. Até porque o litígio que deu ensejo ao primeiro processo restou irresolvido", ensina:

Ao invés disso, os julgamentos de mérito, porque solucionam o litígio, têm sua eficácia estendida para fora da relação jurídico-processual, impedindo que a matéria venha a ser agitada outra vez em juízo. Realmente, não guardaria qualquer lógica que a parte não mais pudesse atacar a decisão dentro do processo, mas estivesse livre para renovar o pedido alhures.

Denomina-se coisa julgada formal a imutabilidade da decisão dentro da relação jurídico-processual, ou seja, denomina-se coisa julgada formal a especial condição da decisão de não comportar mais recursos, tornando-se, por isso mesmo, a palavra final do Judiciário no processo.

Se o julgamento foi de mérito, a imodificabilidade da decisão se espraia para fora do processo, impedindo nova discussão da matéria, mesmo em outro feito. É a esta especial qualidade da decisão de mérito que se denomina coisa julgada material 10.

Doutrinariamente, PONTES DE MIRANDA em seus Comentários ao Código de Processo Civil11 leciona que:

As palavras coisa julgada indicam uma decisão que não pende mais dos recursos ordinários, ou porque a lei não os concede (segundo lei das alçadas), ou porque a parte não usou deles nos termos fatais e peremptórios, ou porque já foram esgotados. O efeito de uma tal decisão é ser tida como verdade; assim, todas as nulidades e injustiças relativas, que porventura se cometessem contra o direito das partes, já não são susceptíveis de revogação.


8 Manual de Direito Processual Civil. Ed. Saraiva, 1975, v. 3, p. 234.

9 Aide Editora, 1996, p. 55.

10 Ed. RT, 1997, p. 19-20. Itálicos nossos.

11 Forense, Tomo V, p. 172. Itálico nosso.


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Analisando a Proteção Constitucional da Coisa julgada 12, JOSÉ MARIA TESHEINER, depois de transcrever o conteúdo do inciso XXXVI acima mencionado, escreve que:

Em essência, o que aí se veda é a lei retroativa, isto é, lei posterior para reger fatos passados.

A revisão da sentença, por fato superveniente, em relação jurídica continuativa, não ofende a Constituição.

Também não ofende a Constituição a ação rescisória, pois não há retroatividade quando se rescinde sentença, proferindo-se novo julgamento, com base na mesma legislação existente ao tempo da sentença rescindida. Nem se precisa lançar mão do argumento de que a própria Constituição contém referências à ação rescisória.

A ação rescisória poderia ser perpétua, sem com isso violar-se a Constituição. Se se entendesse essencial a existência de prazo, estar-se-ia a interpretar a Constituição como se ela apenas protegesse a chamada coisa soberanamente julgada, isto é, as sentenças de mérito que não apenas transitaram em julgado como se tornaram irrescindíveis pelo decurso do tempo. Mas a proteção constitucional da coisa julgada é mais ampla. Não se limita a proteger as sentenças irrescindíveis, mas toda e qualquer sentença que haja produzido coisa julgada material.

Para a observância da Constituição, o importante é que não se rescinda a sentença por violação de norma superveniente (Conclui).

2.1. A posição de JOSÉ AUGUSTO DELGADO

Em verdade, nos dias que correm, parte da Doutrina vem propondo uma nova interpretação do instituto que ora nos preocupa, tal como o faz JOSÉ AUGUSTO DELGADO em conferência intitulada Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 13.

Partindo de considerações acerca do princípio da moralidade, enfrenta o autor o Conceito coisa julgada e uma revisitação do tema, oportunidade em que afirma:

A coisa julgada, em nosso ordenamento jurídico, possui proteção constitucional e infraconstitucional.

A Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece que `a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'. É uma mensagem de carga indicativa no sentido de que a lei, em sua expressão maior, não há, ao entrar no mundo jurídico, de produzir eficácia, em nenhuma hipótese, que leve a causar qualquer diminuição aos limites da sentença trânsita em julgado.

E prossegue:

O tratamento dado pela Carta Maior à coisa julgada não tem o alcance que muitos intérpretes lhe dão. A respeito, filio-me ao posicionamento daqueles que entendem ter sido vontade do legislador constituinte, apenas, configurar o limite posto no art. 5º, XXXVI, da CF, impedindo que a lei prejudique a coisa julgada14.

Adiante, afirma JOSÉ AUGUSTO DELGADO, em texto logo, mas de imprescindível transcrição:

A interpretação do dispositivo constitucional não oferece dificuldades. Em princípio, utilizando-se do método gramatical de hermenêutica, poder-se-ia chegar a duas conclusões interpretativas absolutamente diferentes. A utilização dos demais métodos de hermenêutica, porém, deixa evidenciada a certeza do entendimento correto do dispositivo.

Realmente, apenas pela leitura apressada dos termos do anunciado inciso XXXVI, se poderia chegar a duas interpretações, quais sejam:

a) - `A lei não pode prejudicar a coisa julgada', ou seja, a lei não pode atribuir ao instituto da coisa julgada estrutura e limites que lhe emprestem menor amplitude. O instituto da coisa julgada, valioso aos olhos da Constituição, mereceria do legislador infraconstitucional toda a atenção, de modo a preservar-lhe a extensão. Assim, seria inconstitucional toda disposição infraconstitucional que de qualquer forma diminuísse a


12 Eficácia da Sentença e Coisa Julgada no Processo Civil. Ed. RT, 2001, p. 237. Itálico nosso.

13 Proferida no Iº Simpósio de Direito Público da Advocacia-Geral da União 5ª Região, Fortaleza, 20.12.2000. Texto publicado na Revista da Advocacia-Geral da União, Ano II, n. 06, jan. 2001, Disponível em: <www.agu.gov.br/ce>.

14 Artigo citado, p. 5.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


importância do instituto, reduzisse sua incidência ou dificultasse sua formação. Por muito maior razão seria inconstitucional o dispositivo que admitisse o ataque à coisa julgada, criando remédio jurídico-processual hábil a desconstituí-la. Enfim, por esta interpretação, a Constituição protegeria o instituto da coisa julgada.

b) - `A lei não pode prejudicar a coisa julgada', ou seja, a lei não pode alterar o conteúdo do julgado, após a formação da coisa julgada. Editada a sentença sobre determinado caso concreto, é irrelevante que a lei disciplinadora do tema seja alterada, dado que a solução prescrita pela sentença, ainda que tenha de produzir seus efeitos no futuro, é intocável, não se lhe podendo opor comando diferente, ainda que editado por lei. O bem jurídico da `quietude', da `segurança' e da `paz' foi valorado de tal forma pelo legislador constituinte, que este interditou ao legislador ordinário editar normas agressoras a casos já decididos pelo Judiciário. Nova disciplina jurídica do fato somente incidirá para os casos não julgados. Assim, seria marcadamente inconstitucional o dispositivo que desobrigasse os devedores de pagar aos credores (moratória), na parte em que eventualmente estabelecesse sua aplicação aos casos julgados. Enfim, por esta interpretação, a Constituição protegeria o teor do julgado.

Das duas interpretações literais (gramaticais) possíveis, a segunda é aquela que efetivamente corresponde à mensagem legal. Observe-se, por primeiro, que o referenciado inciso XXXVI não proíbe a lei de prejudicar o ` instituto da coisa julgada', mas sim, de malferir a `coisa julgada'. Assim, mesmo a interpretação gramatical tende a prestigiar o segundo entendimento. A Constituição interditou o ataque ao comando da sentença, protegendo a imutabilidade do julgado, tornando-o imune a alterações legislativas subseqüentes"15.

Noutra passagem, é taxativo o mesmo autor:

Também assegura a correção da segunda tese a observação dos institutos processuais que sempre conviveram com a regra constitucional em comento. Prevalecesse a primeira tese (proteção constitucional da amplitude do instituto da coisa julgada) e a ação rescisória seria inconstitucional, dado que se trata de remédio jurídico que tem como único objetivo destruir a coisa julgada. Da mesma forma também seria inconstitucional o instituto da revisão criminal, dado que a revisão pode ser requerida a qualquer época, não se lhe podendo opor o instituto da coisa julgada.

Consoante se observa, é perfeitamente constitucional a alteração do instituto da coisa julgada, ainda que a mudança implique restringir-lhe a aplicação, na criação de novos instrumentos de seu controle, ou até na sua supressão, em alguns ou todos os casos.

O que a Carta Política inadmite é a retroatividade da lei para influir na solução dada, a caso concreto, por sentença de que já não caiba recurso.

De outra parte, qualquer alteração no instituto mesmo da coisa julgada, determinando seu enfraquecimento ou dilargando as hipóteses onde se admite o ataque ao julgado, não incide no que pertine às sentenças já transitadas em julgado, visto que também, neste particular, rege a lei vigorante ao tempo em que o trânsito em julgado se deu.

Como se vê, a proteção constitucional da coisa julgada é mais tímida do que se supõe, sendo perfeitamente compatível com a existência de restrições e de instrumentos de revisão e controle dos julgados. A proteção constitucional da coisa julgada não é mais do que uma das muitas faces do princípio da irretroatividade da lei 16.

Para finalizar, recordemos que o raciocínio desenvolvido por JOSÉ AUGUSTO DELGADO está calcado nos princípios da legalidade e da moralidade que, em seu entender, não devem estar comprometidos em razão da imutabilidade da coisa julgada 17.


15 Ob. cit. p. 6.

16 Idem, p. 7. Itálicos nossos.

17 Esclarecedora e provocante é a correspondência enviada pelo Min. JOSÉ DELGADO ao autor deste artigo (e-mail, 11.03.2002), nos seguintes termos: Caro amigo e Prof. Ivo: "As minhas meditações encerram preocupações no campo da necessidade de se tirar o mito da coisa julgada. Ela não é de modo absoluto como nos foi ensinado. O juiz não pode ficar acima da Constituição e dos fatos naturais. Já imaginou uma sentença trânsita em julgado permitindo a determinada empresa não pagar imposto, cuja lei não é considerada inconstitucional, unicamente, porque não houve recurso ao STF? Qual a resposta para essa pergunta? E o Princípio da Uniformidade Tributária posto na Constituição? O caso do DNA é explicativo. Trato, agora, de uma nova situação. Prescrição de atos administrativos causados por crime de tortura. É possível que se aplique, de modo qüinqüenal, a prescrição contra direito fundamental? Prescreve direito fundamental? O direito à saúde, ao meio ambiente, à vida, à integridade do corpo, eles prescrevem? A situação é a seguinte: Tortura praticada em 1968. Vítima não faleceu. Tortura comprovada. Período revolucionário. Vítima com medo do Estado. Não promove ação. Faz somente agora, 20 anos depois, incentivada pela Lei que manda indenizar os que foram vitimados pela Revolução, os desaparecidos. Votei no sentido de não se aplicar a prescrição, mesmo que a vítima tenha tido conhecimento quem eram os seus torturados. Entendo que, no caso, a prescrição é de 20 anos, a de direito pessoal, não a privilegiada, cinco anos, em favor da Fazenda Pública. Não sei o que é que vai provocar esse meu pensamento".


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2.2. A posição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO

A posição de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO se encontra exposta no já citado artigo Relativizar a Coisa Julgada Material 18, muito embora o próprio autor noticie que colocou em destaque a necessidade de produzir resultados justos, quando há mais de dez anos disse: "em paralelismo com o bem comum como síntese dos objetivos do Estado contemporâneo, figura o valor justiça como objetivo-síntese da jurisdição no plano social". Essas palavras estão em minha tese acadêmica escrita no ano de 1986, incluídas em um capítulo denominado Justiça nas Decisões. Em outro tópico da obra, disse também que:

eliminar conflitos mediante critérios justos é o mais nobre dos objetivos de todo sistema processual. São essas as premissas, de resto já referidas logo ao início, sobre as quais cuido de assentar a proposta de um correto e razoável dimensionamento do poder imunizador da coisa julgada, relativizando o significado dessa garantia constitucional e harmonizando-o naquele equilíbrio sistemático de que falo19.

Na parte vestibular do artigo, afirma DINAMARCO:

Escrevi em sede doutrinária que ´sem ser um efeito da sentença, mas especial qualidade que imuniza os efeitos substanciais desta a bem da estabilidade da tutela jurisdicional, `a coisa julgada não tem dimensões próprias, mas as dimensões que tiverem os efeitos da sentença'. Sendo um elemento imunizador dos efeitos que a sentença projeta para fora do processo e sobre a vida exterior dos litigantes, sua utilidade consiste em assegurar estabilidade a esses efeitos, impedindo que voltem a ser questionados depois de definitivamente estabelecidos por sentença não mais sujeita a recurso. A garantia constitucional e a disciplina legal da coisa julgada recebem legitimidade política e social da capacidade, que têm, de conferir segurança às relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença 20.

Em seguida, afirma:

Tais são as premissas que proponho, como ponto de início e de apoio para os raciocínios a desenvolver no presente estudo sobre a relativização da garantia constitucional da coisa julgada no momento presente. Venho dizer, em síntese: a) - que essa garantia não pode ir além dos efeitos a serem imunizados e b) - que ela deve ser posta em equilíbrio com as demais garantias constitucionais e com os institutos jurídicos conducentes à produção de resultados justos e mediante as atividades inerentes ao processo civil 21.

Prosseguindo com definições do instituto e seus efeitos, o autor escreve que

A distinção entre coisa julgada material e formal consiste, portanto, em que: a) - a primeira é a imunidade dos efeitos da sentença, que os acompanha na vida das pessoas ainda depois de extinto o processo, impedindo qualquer ato estatal, processual ou não, que venha a negá-los; enquanto que b) - a coisa julgada formal é fenômeno interno ao processo e refere-se à sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.

(...) O objetivo do presente estudo é demonstrar que o valor da segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema, nem o é portanto a garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de primeiríssima grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante a garantia do acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXVI) 22.

Em verdade, depois de repassar diversas posições doutrinárias nacionais e estrangeiras, a posição do STF e o Direito Americano, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO inicia a segunda parte de seu trabalho, intitulando-a de Proposta de Sistematização, a qual vai desdobrada em 10 itens, no início dos quais (2.2 Método indutivo), afirma que "há um indisfarçável casuísmo em todo o elenco de casos em relação aos quais foi aceito ou preconizado algum meio de mitigar os rigores da coisa julgada" 23.


18 In Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, SP (55/56): 31-77, jan./dez. 2001, p. 35-36.

19 Artigo citado, p. 39-40. A obra a que o autor faz referência é o livro A Instrumentalidade do Processo. 8. ed., Malheiros, 2000.

20 Artigo citado p. 33.

21 Idem, p. 35.

22 Idem, p. 37-39.

23 Idem, p. 56.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


Utilizando-se do método indutivo, ou seja:

Partindo do particular em busca do geral - ou seja, partindo da casuística levantada e das idéias invocadas em cada caso, com vista a encontrar um legítimo ponto de equilíbrio entre a garantia constitucional da coisa julgada e aqueles valores substanciais. Como fio condutor dessa investigação e das hipóteses de mitigação da coisa julgada, valho-me do conceito técnico-jurídico da impossibilidade jurídica dos efeitos da sentença24.

No item voltado para a Coisa Julgada, efeitos da sentença e impossibilidades jurídicas, afirma DINAMARCO que "são efeitos substanciais da sentença, que a coisa julgada material pereniza", devendo-se observar que "tais efeitos reputam-se substanciais, em oposição aos efeitos processuais que todas as sentenças têm, porque se referem às realidades da vida dos litigantes, em suas relações um com o outro ou com os bens da vida" 25. Acontece que:

Certas sentenças de mérito pretendendo ditar um preceito juridicamente impossível, não têm força para impor-se sobre as normas ou princípios que o repudiam. Só aparentemente elas produzem os efeitos substanciais programados, mas na realidade não os produzem porque eles são repelidos por razões superiores, de ordem constitucional 26.

Arrematando todo o seu raciocínio, escreve:

Repito, para clareza: sentença portadora de efeitos juridicamente impossíveis não se reputa jamais coberta pela res judicata, porque não tem efeitos suscetíveis de ficarem imunizados por essa autoridade. Pode-se até discutir, em casos concretos, se os efeitos se produzem ou não, se são ou não compatíveis com a ordem constitucional etc., mas não se pode afirmar que, sem ter efeitos substanciais, uma sentença possa obter a coisa julgada material. Esse é um enunciado conceitual e metodológico, que se impõe independentemente de qualquer tomada de posição em relação aos valores políticos, éticos, humanos ou econômicos a serem preservados 27.

Com este raciocínio, que desenvolve analisando as questões excepcionais trazidas à colação no artigo do Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO e outros, esclarece DINAMARCO que não está

a postular a sistemática desvalorização da auctoritas rei judicatae mas apenas o cuidado para situações extraordinárias e raras, a serem tratadas mediante critérios extraordinários. Cabe aos juízes de todos os graus jurisdicionais a tarefa de descoberta das extraordinariedades que devam conduzir a flexibilizar a garantia da coisa julgada, recusando-se a flexibilizá-la sempre que o caso não seja portador de absurdos, injustiças graves, transgressões constitucionais etc. Não temo insistir no óbvio, ao repetir que `o momento de decisão de cada caso concreto é sempre um momento valorativo'28.

3. Existe Coisa julgada inconstitucional? A posição de HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA 29

Em nosso entender, algumas questões devem ser trazidas à colação como preliminares na análise que se seguirá e que delas não poderá fugir, sob pena de não se enfrentar, corretamente, o problema:

a) - se a inconstitucionalidade significa inexistência da lei e/ou ato, poder-se-ia falar em Coisa Julgada Inconstitucional, se esta encontra-se fundamentada em algo que não existe?


24 Idem, p. 57.

25 Idem, p. 57.

26 Idem, p. 58.

27 Idem, p. 60. Itálicos do autor.

28 Ibidem, p. 66-67. Itálicos nossos.

29 Nos últimos anos, sobretudo por parte de constitucionalistas portugueses a matéria tem sido objeto de vários estudos, a saber: MARCELO REBELO DE SOUZA, O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional (Lisboa, 1988); PAULO OTERO, Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional (Lex - Edições Jurídicas, Lisboa, 1993) e JORGE BACELAR GOUVEIA,

O Valor Positivo do Acto Inconstitucional (Associação Acadêmica, Faculdade de Direito de Lisboa, 1992). No Brasil, recentemente foi lançado o livro de RÊGO, Bruno Noura de Moraes. Ação Rescisória e a Retroatividade das Decisões de Controle de Constitucionalidade das Leis no Brasil (Sergio Antonio Fabris Editor, 2001), sendo que FRANCISCO BARROS DIAS apresentou aos Cursos de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) - Faculdade de Direito do Recife - Dissertação Final com o título Coisa Julgada Inconstitucional. Recife, 1999.


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b) - sendo a resposta negativa, indaga-se: a decisão judicial que contrarie a Constituição faz coisa julgada?

c) - se a resposta continuar sendo negativa (o que é imperativo face à primeira questão), não se há de falar em relativização ou flexibilização da Coisa Julgada Inconstitucional, visto que não se pode flexibilizar (repita-se) o inexistente;

d) - como a Argüição de Inconstitucionalidade poderá ser feita a qualquer tempo, em qualquer instância ou Tribunal, neste caso não se aplicaria o elemento tempo, ou seja, não se há de falar em Decadência, Preclusão e/ou ainda Prescrição30;

e) - se, por qualquer motivo, a Ação Rescisória for apontada como ilegítima em razão do tempo, a saída seria o uso do Mandado de Segurança ou ainda a velha Querela Nullitatis defendida por PONTES DE MIRANDA31, cujo prazo de interposição seria de 20 (vinte) anos, e não de 2 (dois) anos, como o é no caso da Ação Rescisória. Nesta última hipótese, via Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença, buscar-se-ia a nulidade da sentença calcada em norma, posteriormente declarada inconstitucionalidade e, portanto, inexistente;

f) - não se há de falar, neste caso, em atentado à segurança jurídica, vez que esta não se poderá assentar no nada, no inexistente;

g) - dizendo de forma objetiva: lei ou ato eivados de inconstitucionalidade, não geram direitos nem deveres, pelo que o ato judicial inconstitucional não faz coisa julgada.

HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA, em trabalho intitulado A Coisa Julgada Inconstitucional e os Instrumentos Processuais para seu Controle 32 observam que "a grande parte dos estudos produzidos (...) centra-se na análise da constitucionalidade/ inconstitucionalidade dos atos legislativos, não havendo uma maior preocupação com os atos do Poder Judiciário, em especial suas decisões que, sem a menor dúvida, são passíveis de serem desconformes à Constituição", após o que traz à colação texto de PAULO OTERO no qual este afirma: "As questões de validade constitucional dos atos do poder judicial foram objeto de um esquecimento quase total, apenas justificado pela persistência do mito liberal que configura o juiz como `a boca que pronuncia as palavras da lei ' e o poder judicial como `invisível e nulo' (Montesquieu)".

Em seguida, sustentam:

Com efeito, institucionalizou-se o mito da impermeabilidade das decisões judiciais, isto é, de sua imunidade a ataques, ainda que agasalhassem inconstitucionalidade, especialmente após operada a coisa julgada e ultrapassado, nos variados ordenamentos, o prazo para a sua impugnação. A coisa julgada, neste cenário, transformou-se na expressão máxima a consagrar os valores de certeza e segurança perseguidos no ideal do Estado de Direito. Consagra-se, assim, o princípio da intangibilidade da coisa julgada, visto, durante vários anos, como dotado de valor absoluto 33.


30 Esta tese está por nós defendida em Mandado de Segurança impetrado junto ao órgão especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (MS- Proc. nº 0071791-5 / Protocolo nº 2001/2282, Impte.: Dorgival Soares de Souza X Impdo.: Des. Presidente do TJ - Des. Nildo Nery, Relator: Des. Macedo Malta), ora em tramitação.

31 A propósito, veja-se do autor o Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e outras Decisões. Editor Borsoi, 1957, 3. ed. (corrigida, posta em dia e aumentada), p. 43-52. O Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Planejado, organizado e redigido por J. M. OTHON SIDOU (Forense Universitária, 7. ed., rev., atual. e amp., 2001, p. 707), afirma: "Querela de Nulidade. (lat. querela nullitatis) Dir. Can. Recurso contra a sentença eivada de vício, e oponível em 30 anos, quando a nulidade insanável, em 10 dias, simultaneamente com a apelação, quando sanável. Ccan., arts. 1619-1621". Sobre o tema, ver JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI e LUIZ CARLOS DE AZEVEDO, Lições de Processo Civil Canônico Hstória e Direito vigente. Ed. RT, 2001, p. 151-153.

32 Texto publicado na Revista da Advocacia-Geral da União, Ano II, n. 09, abr. 2001, p. 2, Disponível em: <www.agu.gov.br/ce>.

33 Idem, p. 2. Itálico nosso.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


A questão, sem dúvida, é das mais relevantes no âmbito do Direito Constitucional e do Direito Processual, isto porque estará ligado ao conceito de Supralegalidade que caracteriza o conteúdo das Constituições e que, em conseqüência, nos põe frente ao seguinte problema: a decisão judicial inconstitucional é inexistente, nula ou anulável? 34

Um ponto inicial deve ser observado: a resposta que se dê à questão posta, dirigirá, inevitavelmente, à resposta do que acima se indagou, isto é, a decisão judicial que contrarie a Constituição faz coisa julgada?

Permitimo-nos transcrever o que, a propósito, dissemos em nosso livro O Valor da Constituição35, com a ressalva de que, ali, nos referíamos ao controle da lei, muito embora o raciocínio possa ser aplicado para o controle das decisões judiciais. Ali, escrevemos que "objetivando maior clareza de raciocínio, partamos dos conceitos destes três tipos de atos para, em seguida, discutirmos as suas conseqüências ou efeitos".

Para MIGUEL REALE em suas Lições Preliminares de Direito36, são Atos Nulos os que "carecem de validade formal ou vigência, por padecerem de um vício insanável que os compromete irremediavelmente, dada a preterição ou a violação de exigências que a lei declara essenciais", enquanto que por Atos Anuláveis devem-se entender como sendo:

Os que se constituem em desobediência a certos requisitos legais que não atingem a substância do Ato, mas sim, a sua eficácia, tornando-os inaptos a produzir os efeitos que normalmente lhes deveriam corresponder. Daí dizer-se, com terminologia a ser empregada com o devido critério, que os atos nulos são eivados de nulidade absoluta, enquanto que os anuláveis padecem de nulidade relativa. O certo é que os segundos podem ser sanados ou ratificados, através de processos que variam segundo a natureza da matéria disciplinada.

Por fim, e ainda para REALE, são Atos Inexistentes (alguns autores os equiparam aos nulos) aqueles que "carecem de algum elemento constitutivo, permanecendo juridicamente embrionário, ainda in fieri, devendo ser declarada a sua não significação jurídica se alguém o invocar como base de sua pretensão".

A utilização dos conceitos acima, ao lado da natureza da decisão que reconhece a inconstitucionalidade - declaratória ou constitutiva - determinarão os efeitos que decorrerão da própria decisão.

Assim, identificando a natureza de ato inexistente, a decisão será declarativa, com efeitos retroativos à data em que se deu a elaboração da Lei - efeitos ex tunc. É como se nunca tivesse existido a lei (ou ato), por lhe faltar o elemento constitutivo a que denominamos de adeqüabilidade ou obediência à Constituição, quer quanto ao aspecto material, quer quanto ao aspecto formal.

Se, ao contrário, identifica-se uma natureza de ato anulável e a decisão tem em si um conteúdo constitutivo, os efeitos da inconstitucionalidade serão ex nunc ou pro futuro.

A primeira destas posições, no Brasil, tem o apoio, dentre outros, de CARLOS MAXIMILIANO, FRANCISCO CAMPOS, FERNANDO WHITAKER DA CUNHA, enquanto que nos Estados Unidos da América do Norte a ela se filia JAMES BRYCE no clássico estudo El Gobierno de los Estados Unidos en la Republica Norteamericana 37, todos entendendo que a lei ou ato declarados inconstitucionais não poderão servir de base a direito de espécie alguma.

A propósito, escrevia FRANCISCO CAMPOS, citado por RONALDO POLETTI no livro Controle da Constitucionalidade das Leis38: "Um ato ou uma lei inconstitucional é ato ou uma lei inexistente; uma lei


34 Para análise dos Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade de Lei, veja-se DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição (Do Controle de Constitucionalidade como Garantia da Supralegalidade Constitucional). Rio de Janeiro: Renovar, 2. ed. rev. e aum., 2001, p. 155-178

35 Ob. cit. p. 169-175.

36 José Bushatsky Editor, p. 235-236.

37 Madrid, p. 54.

38 Ed. Forense, 1985, p. 109-110.


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inconstitucional é lei apenas aparentemente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o direito como se nunca houvesse existido".

Discutidos os conceitos acima, enfrentemos a seguinte questão: qual o instante a ser atingido pela Declaração de Inconstitucionalidade na Ação Direta? A data da declaração de inconstitucionalidade, ou a data em que a lei ou ato objeto da decisão entra em vigor?

A matéria oferece maiores implicações e conseqüências, quando se trata de decisão proferida em Ação Direta (com efeitos erga omnes), ou quando a decisão incidental é apreciada pelo STF, em virtude da competência atribuída ao Senado Federal para "suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal" (CF, art. 52, X).

Se, ao invés, embora ainda se trate de julgamento incidental, a decisão não conhece recurso extraordinário ao órgão máximo do Poder Judiciário e transitou em julgado, a sentença valerá como lei para aqueles que participaram da relação processual (efeitos inter partes). Faz-se a coisa julgada. O ato contestado é como se não tivesse existido e tudo voltará ao status quo ante, ou seja, àquele quadro existente quando do início de vigência da lei invocada como fundamento do pedido não apreciado ou não aceito pela decisão.

Dizendo diferente: retornam as partes à situação originária, já que, para alguns, inexistente a lei (por ser inconstitucional), inexistentes seus efeitos.

Como dissemos, outra é a situação quando o julgamento é por Ação Direta ou quando a decisão, mesmo sob a forma incidental, foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

Em monografia intitulada Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade39 REGINA MARIA MACEDO NERY FERRARI escreve que "a eficácia no tempo da decisão que decreta a inconstitucionalidade adquire importância ímpar no caso da via de ação direta, quando examinada a lei em tese, seus efeitos se estendem erga omnes, já que o que se discute é se estes se limitam ao futuro (ex nunc) ou se operam retroativamente (ex tunc)".

Após lembrar, como o faz CAPELLETTI, que existem dois sistemas (o norte-americano e o austríaco), recorda a autora que pelo primeiro (americano):

A norma contrária à norma superior é tida como sendo absolutamente nula, apresentando tal sistema um caráter meramente declaratório, isto é, a sentença que declara a inconstitucionalidade reconhece uma nulidade preexistente, já que ocorre desde o início, a partir do momento de elaboração da norma. Aqui, a eficácia da sentença declaratória opera retroativamente, já que sendo a lei nula ab initio, não pode gerar efeitos.

No sistema austríaco, a Corte Constitucional não declara a nulidade da lei, mas sim a sua anulabilidade, vale dizer, enquanto não houver pronunciamento neste sentido, a lei é válida e, portanto, obrigatória, reconhecendo que a eficácia constitutiva da sentença se inconstitucionalidade opera para o futuro (ex nunc)40.

Em nosso entendimento, se a lei é nula (para alguns inexistente), a situação a ser atingida pela inconstitucionalidade é aquela referente ao momento em que a norma entrou em vigor, e não aquela em que se proferiu a sentença de inconstitucionalidade, pelo que os efeitos retroagem e, evidentemente, se protraem, produzindo, assim, efeitos ex tunc e ex nunc.

Uma análise feita na Jurisprudência de nossos Tribunais aponta no sentido de que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, retroagem e se protraem, exatamente por entenderem que a Lei viciada, é Lei Nula ou Inexistente e, portanto, não criam direitos nem deveres 41.


39 Ed. RT, 2. ed., 1990, p. 134.

40 Ob. cit., p. 135-136.

41 Vale lembrar que de acordo com a Lei nº 9.868, 10.11 99 (DOU 11.11.99), que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, em seu art. 27 está determinado que


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


Assim, o Tribunal de Justiça do Paraná, Órgão Especial, no Ac. nº 940, decidiu 42 que:

Um ato inconstitucional não é lei, não confere direitos, não estabelece deveres; não cria proteção; não institui cargos. É juridicamente considerado como se nunca tivesse existido. Uma lei inconstitucional é nula de pleno direito, antes e depois de declarada a sua inconstitucionalidade, o que legitima a recusa da autoridade a cumprí-la (Súmulas 346 e 473).

No mesmo sentido, o antigo TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS -TFR- por decisão do Pleno entendeu que "os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são ex-tunc, retroagindo, pois, até o nascimento do dispositivo legal acoimado daquele vício; por isso, a revogação da lei não impede que seja decretada a sua inconstitucionalidade"43.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por sua vez, tem se orientado na mesma direção, ou seja, de reconhecer efeitos ex tunc às decisões proferidas, tanto em controle concentrado, como em controle incidental.

Na hipótese em que reconhece efeitos ex tunc em julgamento incidental, mencione-se o Recurso Extraordinário nº 35.370 - PARANÁ44, Rel. Min. CUNHA VASCONCELOS, enquanto que no caso de via direta, veja-se o voto proferido em Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 652-5 - MARANHÃO, ano 1992 45, pelo Ministro-Relator CELSO DE MELLO.

Recurso Extraordinário n° 35.370:

Recorrente: Pinho, Guimarães S.A.

Recorrido: Estado do Paraná.

Ementa

Declarada a inconstitucionalidade de uma lei, ela alcança, inclusive, os atos do passado praticados com base nessa lei.

Por sua vez, diz a citada ADIN n° 652-5:

Requerente: Procurador-Geral da República.

Requeridos: Governador do Estado do Maranhão e Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão.

Ementa:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Controle Normativo Abstrato - Natureza do Ato Inconstitucional - Declaração de Inconstitucionalidade - Eficácia Retroativa - O Supremo Tribunal Federal como Legislador Negativo - Revogação Superveniente do Ato Normativo Impugnado - Prerrogativa Institucional do Poder Público - Ausência de Efeitos Residuais concretos. Prejudicialidade.

- O repúdio do ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos revestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e de conseqüente inaplicabilidade.

Atos inconstitucionais são por isso mesmo, nulos e destituídos, em conseqüência, de qualquer carga de eficácia jurídica.

- A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico que inquina de total nulidade os atos


"ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado". Daí se deduz que, na conformidade deste comando constitucional, o ato inconstitucional não é mais nulo, pois o ato inconstitucional pode ser direito positivo.

42 jul 16.9.88.

43 RTFR 129/75.

44 julgado em 15.01.1960.

45 Publicado no DJ de 02.04.93, p. 5.615. Leia-se a íntegra do voto, no Ementário n° 1.698-03, p. 610-624.


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emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe - ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos - a possibilidade de inovocação de qualquer direito.

- A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse poder excepcional - que extrai a sua autoridade da própria Carta Política - converte o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo (destaques no original).

O acórdão trata ainda de outros aspectos que, entretanto, não dizem respeito ao tema aqui tratado.

Todas as vezes que falamos em lei ou ato, incluímos no raciocínio a decisão judicial, isto porque, na lição de PAULO OTERO, citado por HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA 46:

Admitir resignados, a insindicabilidade de decisões judiciais inconstitucionais seria conferir aos tribunais um poder absoluto e exclusivo de definir o sentido normativo da Constituição: Constituição não seria o texto formalmente qualificado como tal; Constitucional seria o direito aplicado nos tribunais, segundo resultasse da decisão definitiva e irrecorrível do juiz.

Nos autos do Recurso de Mandado de Segurança nº 17.976-SP47, Rel. Min. AMARAL SANTOS, o STF enfrentou o problema, embora ressalvando a coisa julgada, nos seguintes termos:

Recorrente: Engenharia e Construções Otto Meinberg S/A

Recorrida: Fazenda do Estado.

A suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeitos todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional. Contudo, a nulidade da decisão judicial transitada em julgado só pode ser declarada por via de ação rescisória, sendo impróprio o mandado de segurança. Aplicação da Súmula 430. Recurso improvido.

Nesse julgamento, o Min. ELOY ROCHA, em voto, declarou: "quero acentuar, apenas, que a suspensão de execução da lei, pelo Senado, tem efeito ex nunc, o que significa afirmar-se que, diante do entendimento atual do STF quanto ao papel desempenhado pelo Senado, tais efeitos - pro futuro - só valeriam para o julgamento incidental".

Enfrentemos de forma mais detalhada a questão, embora saibamos os aspectos polêmicos que a matéria comporta, sobretudo, quando se justifica a intocabilidade da coisa julgada, em razão da segurança que deve presidir as decisões judiciais.

Antes de mais nada, cumpre-nos lembrar que, de acordo com a Constituição Federal, art. 1º, caput, "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos ..."

O destaque dado pelo itálico à expressão Estado democrático de direito significa que no ápice do ordenamento jurídico nacional se encontra a Constituição, em favor da qual o constituinte estabeleceu, no atual modelo de 1988 e emendas posteriores, um amplo sistema de controle de constitucionalidade, sempre com o objetivo de fazer prevalecer a vontade da Lei Maior, razão pela qual, nenhuma espécie de norma


46 Artigo citado, p. 4. No livro de PAULO OTERO (Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional. Lex - Edições Jurídicas, Lisboa, 1993), o texto se encontra na p. 10.

47 RTJ 55/744.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


jurídica ou ato, sobretudo, aqueles emanados do Poder Público, poderão sobreviver se contrário à Constituição48.

Por outro lado, e como já afirmado por JOSÉ AUGUSTO DELGADO, o conteúdo do inciso XXXVI do art. 5º, apenas põe a coisa julgada a salvo de lei nova, tanto que, em nosso sistema, o instituto da Ação Rescisória49 tem plena aceitação, não se duvidando de sua constitucionalidade.

A questão então pode ser posta da seguinte forma: o prazo hoje estabelecido pelo artigo 495 do Código de Processo Civil seria aplicável, igualmente, nos casos em que a referida ação se fundasse em inconstitucionalidade da decisão que se pretende rescindir?

Optamos em sentido negativo, até porque, conforme lição de FRANCISCO CAMPOS, já citado, "um ato ou uma lei inconstitucional é ato ou uma lei inexistente; uma lei inconstitucional é lei apenas aparentemente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o direito como se nunca houvesse existido".

Ora, se o ato ou decisão inconstitucional é algo que não existe, nenhum efeito poderá decorrer daquilo que é inexistente.

Neste sentido, mais uma vez, demos a palavra a HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA 50, quando escrevem:

A inferioridade hierárquica do princípio da intangibilidade da coisa julgada, que é uma noção processual e não constitucional, traz como consectário a idéia de sua submissão ao princípio da constitucionalidade. Isto nos permite a seguinte conclusão: a coisa julgada será intangível enquanto tal apenas quando conforme a Constituição. Se desconforme, estar-se-á diante do que a doutrina vem denominando coisa julgada inconstitucional.

Deixemos claro um ponto: não somos contra a que se estabeleça um prazo para a interposição da Ação Rescisória (CPC art. 495). O que entendemos é que, frente a uma decisão inconstitucional, e portanto inexistente, àquilo que não existe, não se pode fixar prazo. Só nesta hipótese, admitimos que não se possa falar em Decadência, se decorrido o prazo estabelecido na lei ordinária.

Cumpre-nos esclarecer (para evitar interpretação errônea) que esta inconstitucionalidade só se refere à Lei que, embasando a decisão, venha a ser declarada inconstitucional em relação à Constituição vigente à época do ato. Em outras palavras: se determinada norma, à época de sua aplicação era constitucional e Emenda Constitucional posterior à data da decisão a torna inconstitucional (e portanto a revoga, ipso facto), tal não autoriza a impetração de Ação Rescisória, até porque, os fatos são regidos pela Lei vigente à época de sua ocorrência.

Se, entretanto, sem que haja alteração no texto constitucional vigente àquele da data da decisão (que, portanto, permanece íntegro), mas posteriormente à decisão foi pronunciada a inconstitucionalidade da lei que fundamentou a decisão, aí sim, cabível é a reapreciação, via Ação Rescisória, da matéria, independentemente de prazo.


48 Sobre a matéria, consultem-se, de nossa autoria, além do já citado O Valor da Constituição - Do Controle de Constitucionalidade como Garantia da Supralegalidade Constitucional (Rio de Janeiro: Renovar, 1996; 2. ed., rev. e aum., 2001), os seguintes trabalhos: Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (2. ed., Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1997); Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade (Rio de Janeiro: Lumem Juris, 1997); e Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995).

49 Sobre Ação Rescisória, ver CPC arts. 485 a 595.

50 Artigo citado, p. 14-15.


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Finalizando, concordamos (com apenas uma ressalva que faremos adiante) com a lição de HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA 51, ao escreverem:

Em suma, a respeito da coisa julgada inconstitucional podem ser extraídas as seguintes conclusões:

1. O vício da inconstitucionalidade gera invalidade do ato público, seja legislativo, executivo ou judiciário;

2. A coisa julgada não pode servir de empecilho ao reconhecimento da invalidade da sentença dada em contrariedade à Constituição Federal;

3. Em se tratando de sentença nula de pleno direito, o reconhecimento do vício de inconstitucionalidade pode se dar a qualquer tempo e em qualquer procedimento, por ser insanável;

4. Não se há de objetar que a dispensa dos prazos decadenciais e prescricionais na espécie poderia comprometer o princípio da segurança das relações jurídicas. Para contornar o inconveniente da questão, nos casos em que se manifeste relevante interesse na preservação da segurança, bastará recorrer-se ao salutar princípio constitucional da razoabilidade e proporcionalidade. Ou seja, o Tribunal, ao declarar a inconstitucionalidade do ato judicial, poderá fazer com eficácia ex nunc, preservando os efeitos já produzidos como, aliás, é comum no direito europeu em relação às declarações de inconstitucionalidade.

A ressalva a que nos referimos acima, diz respeito, exatamente, a possibilidade de efeitos ex nunc referidos pelos autores, exatamente porque (e a repetição é para facilitar o entendimento), se a decisão é inconstitucional, é inexistente.

Neste sentido, escrevemos em nosso livro O Valor da Constituição52 ao tratar Dos Efeitos na Ação Direta de Inconstitucionalidade na Lei nº 9868/99:

Com toda certeza, o ponto mais controvertido da Lei nº 9868/99, acima citado, está presente no seu art. 27, nos seguintes termos:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado53.

Permitimo-nos discordar do preceito mencionado, isto porque, tal como se encontra previsto, não temos dúvida em afirmar que estamos diante do Fim da Supralegalidade Constitucional, princípio que sempre caracterizou as Constituições Escritas, ao lado do Princípio da Imutabilidade Relativa 54.

Neste sentido, toda vez que "o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado", poderemos concluir que o ato inconstitucional não é mais nulo, podendo, ao contrário, mesmo que reconhecida a sua inconstitucionalidade, permanecer sendo direito positivo.

A nós pouco importa se outros modelos constitucionais consagram idêntica posição. A verdade é que estamos diante de uma situação na qual, mesmo se dizendo que a norma é inconstitucional, poder-se-á dizer que ela continue produzindo efeitos, em razão de excepcional interesse social.

A propósito, oportuna é a observação feita por PAULO OTERO, no já citado Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional55:


51 Artigo citado, p. 27-28.

52 2. ed., 2001, p. 244-246.

53 Itálicos nossos.

54 A propósito, consultem-se nossos livros Constituição Federal Teoria e Prática (Ed. Renovar, 1994) e Instituições de Direito Constitucional Brasileiro (Ed. Jurua, 1999, v. 1).

55 Lex - Edições Jurídicas, Lisboa, 1993, p. 49. Vale observar que no modelo luso a previsão se encontra na Constituição. Aqui, a matéria foi regulamentada pela Lei Ordinária, indo além da previsão constitucional, o que, ao nosso ver, a torna inconstitucional. Veja-se o que dissemos em nosso livro O Valor da Constituição..., 2. ed., no capítulo em que estudamos o Controle de Constitucionalidade.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


A eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral deveria, em bom rigor, determinar também a destruição dos casos julgados fundados em normas desconformes com a Constituição e agora formalmente banidas da ordem jurídica. No entanto, o art. 282º, nº 3, 1ª parte, apressa-se a dizer que a declaração de inconstitucionalidade ressalva os casos julgados.

Imaginemos um exemplo: determinada Medida Provisória cria um novo tributo (como o fez com a Contribuição Previdenciária dos Inativos) e o Supremo Tribunal Federal a entende eivada de inconstitucional. Contudo, em razão de necessidade de caixa, invocada como excepcional interesse social, poderá dizer a Corte, por maioria de dois terços de seus membros, que mesmo sendo inconstitucional, poderá ser cobrada por mais 5 (cinco) anos, por exemplo. Ou então, que em relação aos anos em que foi cobrada a situação ficará imutável, pois que a decisão só terá eficácia a partir de seu trânsito em julgado.

Pergunta-se: de que valerá a Supralegalidade da Constituição? De que valerão os princípios nela inscritos? De que valerá o Controle de Constitucionalidade?

Deste posicionamento participa MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO (O Sistema Constitucional Brasileiro e as recentes inovações no controle de constitucionalidade Leis nº 9.868, de 10 de novembro e nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999 ao escrever:

"o ato inconstitucional não é mais, como ensinavam doutrina e jurisprudência, nulo e írrito.

É contra a índole do direito admitir que um ato nulo somente possa deixar de produzir efeitos `a partir do trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado'.

Conclusão óbvia, a violação da Constituição pode ser direito positivo, mesmo depois de reconhecida, no processo competente, pelo Supremo Tribunal Federal, `guarda da Constituição'.

E mais. A decisão pode `restringir' os seus efeitos... Isto significa, por exemplo, que ela poderá considerar válidos atos inconstitucionais, ou dispensar o Estado de devolver o que percebeu em razão de tributo inconstitucionalmente estabelecido e cobrado... Donde resultará a inutilidade do controle.

Não é mais rígida a Constituição brasileira" conclui FERREIRA FILHO 56.

4. Meios de Ataque à Coisa Julgada Inconstitucional: 4.1. Ação Rescisória. 4.2. Mandado de Segurança. 4.3. Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença

A conclusão de que a coisa julgada inconstitucional é algo que não existe, carece de algo mais do que mero debate teórico-doutrinário, necessitando de que o sistema jurídico ofereça meios para que aquela possa ser impugnada e restaurada a Efetividade da Constituição, objetivo maior do Estado de Direito.

A nós não convence o fato de que o elemento Tempo (por maiores que sejam os argumentos neste sentido) seja suficiente para que permaneça intocável uma sentença inconstitucional, como se aquele tivesse o condão de corrigir a inexistência desta, razão pela qual, entendemos que a sua correção (via novo pronunciamento judicial) em nada prejudicará o instituto da Segurança Jurídica, pois esta só poderá ser homenageada quando calcada na Constituição que, na condição de Lei Maior, torna imprestável toda e qualquer Lei ou Ato (e a decisão judicial é ato por excelência) desconformes com seus ditames.

Por oportuno, trazemos à colação afirmativa de KONRAD HESSE quando, em sua monografia A Força Normativa da Constituição, afirma 57:

Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco,


56 In Revista de Direito Administrativo, n. 220, abr./jun. 2000, Ed. Renovar, p. 11. Itálico nosso.

57 P. Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 23.


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um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado.

Em outras palavras: nenhuma justificativa poderá respaldar o desrespeito à Constituição, pois nesta reside, exata e verdadeiramente, a segurança jurídica de todos frente à vontade do Estado, mesmo que esta esteja manifestada em Ato Judicial.

Assim, três são os caminhos, em nosso entender, oferecidos pelo ordenamento brasileiro para a correção da Coisa Julgada Inconstitucional, a saber, a Ação Rescisória, o Mandado de Segurança e a Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença. Analisemo-los.

4.1. Ação Rescisória

Proferida a sentença, em dois momentos próprios e específicos poderá ela ser atacada: se ainda não transitou em julgado, pela via dos Recursos; se transitada em julgado, em princípio, pela via da Ação Rescisória58.

HUMBERTO THEORODO JÚNIOR, desta feita em artigo intitulado Nulidade, Inexistência e Rescindibilidade da Sentença 59, estabelecendo um paralelo entre Recursos e Ação Rescisória, escreve que

O que caracteriza o recurso é ser, na lição de Pontes de Miranda, uma `impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual da resolução judicial que se impugna' (Tratado das Ações, IV, p. 527). Só cabem recursos, portanto, enquanto não verificado o trânsito em julgado da sentença. Operada a coisa julgada, a sentença, como dispõe o art. 467 do CPC, torna-se imutável e indiscutível.

Mas a sentença, tal como ocorre com qualquer ato jurídico, pode conter um vício, uma nulidade, ou um defeito que a torne inadequada para cumprir a missão que lhe destinou a ordem jurídica. Seria iniqüidade manifesta privar o interessado de um remédio para sanar o prejuízo acarretado pelo decisório ilegítimo. Daí criar a lei um elenco de casos especiais em que se permite rescindir a sentença, não obstante o seu trânsito em julgado, para propiciar o mais justo e correto julgamento da lide.

Trata-se da ação rescisória, que não se confunde com o recurso justamente por atacar uma decisão já sob o efeito da res judicata, ou seja, depois da extinção do processo. Estamos, pois, diante de uma ação contra a sentença, diante de um remédio `com que se instaura outra relação jurídica processual', como ressalta Pontes de Miranda (ob. cit. loc. cit.).

Recurso, coisa julgada e ação rescisória são três institutos processuais que apresentam profundas conexões.

O recurso visa a evitar ou minimizar o risco de injustiça do julgamento único. Esgotada a possibilidade de impugnação recursal, a coisa julgada entra em cena para garantir a estabilidade das relações jurídicas, muito embora possa correr o risco de acobertar alguma injustiça latente no julgamento. Surge, por último, a ação rescisória, como remédio extremo, que colima reparar a injustiça da sentença trânsita em julgado, quando o grau de imperfeição é de tal grandeza que supere a necessidade de segurança tutelada pela res judicata.

Trata-se de ação, no sentido técnico, com que se procura romper, ou cindir, a sentença como ato jurídico viciado ou defeituoso. Alguns autores costumam defini-la como ação com que se pede a declaração de nulidade da sentença.

Nem os Recursos, nem mesmo a Ação Rescisória têm sofrido ataques por parte da Doutrina nacional60, sendo que esta última (Ação Rescisória) é tratada sempre com a visão estritamente processual, razão pela qual, consideram imprescindível o prazo estabelecido no art. 495 do CPC (2 anos).


58 Dissemos em princípio, pois entendemos que, e como será demonstrado, no caso da Ação Julgada Inconstitucional, tanto o Mandado de Segurança, quanto a Ação de Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença são instrumentos que podem ser utilizados.

59 In Revista de Processo, RT, n. 19, ano 5, jul./set., 1980, p. 26.

60 Sobre o tema, vejam-se: PONTES DE MIRANDA, Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e outras Decisões. Editor Borsoi, 1957, 3. ed. (corrigida, posta em dia e aumentada). Há uma 5. ed., Forense, 1976; PINTO FERREIRA, Teoria e Prática dos Recursos e da Ação Rescisória no Processo Civil. Ed. Saraiva, 1982; JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ, Ação Rescisória dos Julgados. Ed. TLr, 1998; CHRISTINO ALMEIDA DO VALLE, Teoria e Prática da Ação Rescisória (De acordo com a nova Constituição). Aide Editora, 1990, 3. ed.; ARNALDO ESTEVES LIMA e POUL ERIK DYRLUND, Ação Rescisória. Forense Universitária, 2001.


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Na visão que propomos, se por um lado aplaudimos e concordamos com o prazo decadencial hoje fixado, por outro pensamos que, em sendo ela utilizada para rescindir coisa julgada inconstitucional, o referido prazo não lhe deveria ser aplicado, em razão de que (como vimos afirmando) se trata de algo inexistente por estar calcada em lei inconstitucional 61, assim reconhecida (a inconstitucionalidade) pelo Supremo Tribunal Federal, quer na forma do Controle Direto ou Concentrado, quer no Controle Incidental, neste caso, após a suspensão, pelo Senado Federal, da "execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal" (CF, art. 52, X).

Não estamos advogando, portanto, que mera interpretação constitucional divergente possa fundamentar Ação Rescisória, mas sim, encontramo-nos ancorados no art. 485, inciso V do CPC, que prevê o cabimento da ação quando a sentença de mérito transitada em julgado "violar literal disposição de lei".

Neste sentido, o próprio STF já decidiu em diversas oportunidades que o art. 485, inciso V do CPC "contempla, também a inconstitucionalidade de uma lei na qual se fundou o juiz para proferir a decisão transitada em julgado. Todavia, a rescisão somente pode ser instaurada dentro do prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão", conforme se lê em GILMAR FERREIRA MENDES 62.

Este entendimento da mais alta Corte permite-nos três considerandos, a saber:

a) - A Constituição é a Lex Magna do sistema, razão pela qual cabe Rescisória quando aquela for descumprida (CPC, art. 485, V), e este descumprimento ou inconstitucionalidade tenha sido decidida, definitivamente, pelo STF, na condição de Guardião da Constituição (CF, art. 102).

Por esta razão, o que defendemos não é a hipótese consagrada na Súmula 343 do STF (interpretação controvertida nos tribunais) a qual, tem seu teor lavrada nos seguintes termos:

"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".

Note-se a forma como decidiu a 4ª Turma do STJ nos autos do RESP 287148/RJ (2000/0117769-9), Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR:

Ação Rescisória. Questão controvertida. Texto constitucional. Imunidade Parlamentar. - Uma vez definida a orientação do egrégio Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação de texto constitucional, é possível ajuizamento de ação rescisória contra sentença que decidiu de modo diverso (art. 485, V, do CPC). Questão relacionado com a extensão do conceito de imunidade parlamentar (art. 53 da CR). - Inaplicação da Súmula 343/STF quando se trata de alegada violação a texto constitucional. Precedentes. Recurso conhecido e provido.

Decisão: Conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Não resta dúvida de que já significa um certo progresso o entendimento dado à expressão "violar literal disposição de lei", isto porque, já houve instantes em que o vocábulo lei era tomado no mais estreito sentido, quando, em verdade, deveria ser tomado (como hoje) no sentido amplo. A propósito, TEORI ALBINO ZAVASCKI, (Ação Rescisória em matéria constitucional63) doutrina que "designando o gênero


61 Nesta perspectiva, consulte-se BRUNO NOURA DE MORAES RÊGO, Ação Rescisória e a Retroatividade das Decisões de Controle de Constitucionalidade das Leis no Brasil. Sérgio Fabris Editor, 2001. No capítulo V, o autor trata minuciosamente da matéria, trazendo inclusive, ampla relação de artigos doutrinários (mormente nas searas tributária e trabalhista), além de diversas decisões jurisprudenciais.

62 Jurisdição Constitucional. Ed. Saraiva, 1996, p. 260.

63 In NELSON NERY JR. E TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (Coordenadores), Aspectos polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. Ed. RT, 2001, p. 1046. O mesmo texto encontra-se publicado na Revista Fórum Administrativo - Direito Público. Ano 2, n. 13, mar. 2002. Nós mesmos já tivemos oportunidade de em Rescisória (dentro do prazo de 2 anos), ver o TRT - 6ª Região entender que a Constituição (por nós invocada) não era lei e, em conseqüência, por unanimidade, e de acordo com o voto da Relatora, a Ação não foi acolhida.


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normativo de que fazem parte não apenas a lei ordinária, mas todas as demais espécies de normas jurídicas, inclusive a constitucional. O Código, em suma, emprega o vocábulo como sinônimo de direito, de norma jurídica, conforme reconhece nossa doutrina mais autorizada".

Mais adiante, continua:

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sempre houve a tendência de violar a ofensa à lei, ensejadora da rescisória, com forte adjetivação: é a ´violação frontal e direta´, é a que envolve contrariedade estridente ao dispositivo, e não a interpretação razoável ou a que diverge de outra interpretação, sem negar o que o legislador consentiu ou consentir o que ele negou.

Nessa linha, é fácil compreender o sentido de sua Súmula 343: `Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto de interpretação controvertida nos tribunais'. Trata-se de fórmula para fixar um critério objetivo apto a identificar um pressuposto negativo do fenômeno: o que não é violação literal. Se grassa nos tribunais entendimento divergente sobre o mesmo preceito normativo, é porque ele comporta mais de uma interpretação, a significar que não se pode qualificar uma delas como frontal ou gritantemente ofensiva ao teor literal da norma interpretada. Esta a lógica da súmula, perfeitamente afinada, aliás, com outra do Verbete 400, posteriormente editada, segundo a qual ´decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da CF´. Ou seja: se interpretação razoável da norma (´ainda que não a melhor´) impede a revisão do julgado até mesmo por via de recurso, com muito mais razão tem de se negar acesso à rescisória64.

Admitida, portanto, a propositura de Ação Rescisória em que a norma frontalmente ferida seja um dispositivo constitucional, falta-nos apenas vencer a questão do prazo decadencial, ou seja, apenas advogamos uma maior abertura para o uso da Ação Rescisória contra decisões inconstitucionais, isto porque, na hipótese, e apesar de a Constituição ser a Lei das Leis, não nos satisfaz nem impressiona a simples interpretação controvertida nos tribunais, mas sim (e a repetição é proposital) a declaração de inconstitucionalidade da lei, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

b) - Em conseqüência, não aceitamos, nos casos de inconstitucionalidade, o prazo decadencial de dois anos fixado no art. 495 do CPC, isto porque, e como dissemos acima, em se tratando de coisa julgada inconstitucional, o atentado à Constituição poderá ser invocado a qualquer momento e em qualquer instância ou Tribunal, pois se trata de decisão inexistente, por estar calcada em lei inconstitucional;

c) - Finalmente, julgamos ser necessária uma maior abertura para o cabimento da Ação Rescisória, que não deverá limitar-se aos aspectos formais do processo, preocupada com matéria infraconstitucional, devendo valorizar a Constituição como Lei Maior do sistema.

Se a própria lei criou o instituto da coisa julgada com o objetivo maior de alcançar a estabilidade das decisões judiciais e com ela valorizar a segurança jurídica, nem de longe esta poderá ser alcançada quando, sobretudo, o jurisdicionado constata que determinada decisão oriunda do Poder Judiciário encontra-se fundada de forma contrária àquela determinada pela Constituição, Lei Maior na fixação de Direito e Garantias do cidadão (tomado no sentido que lhe dá o art. 1º inciso II da Constituição Federal de 88) e do próprio Estado.

Apesar de toda esta clareza em nível de Teoria Constitucional, o misoneismo existente entre os integrantes do STF e parte da Doutrina não nos permite visualizar uma mudança do entendimento predominante em curto espaço de tempo, razão pela qual teremos que buscar outros mecanismos processuais para tornar Efetiva a Constituição frente à Coisa Julgada Inconstitucional.


64 Artigo citado, p. 1047-1048. Itálico nosso.


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4.2. Mandado de Segurança

O segundo mecanismo no sentido de atacar-se a Coisa Julgada Inconstitucional é o uso do Mandado de Segurança, regulamentado pela Lei nº 1.533/51, a qual, em seu art. 5º, inadmite seja ele utilizado quando se tratar "de despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correição" (II).

Evidentemente, que a Sentença ou Acórdão (mesmo quando contrários à Constituição e enquanto não reconhecida sua inexistência em razão da inconstitucionalidade) são Ato ou Decisão Judicial, razão pela qual, parte da Doutrina entende que o writ não poderia ser utilizado na hipótese que aqui se discute.

Alguns pontos, entretanto, devem ser abordados, a começar pela observação feita por SÉRGIO FERRAZ 65 a respeito da expressão Ato ou Decisão Judicial. Diz-nos:

O Poder estatal encarregado de fazer atuante a jurisdição é, de comum, o Poder Judiciário, desempenhado pelos juízes. Por isso, de regra, se fala em ato judicial, quando, em verdade, de ato jurisdicional se deveria cogitar. Até porque, em hipóteses específicas, constitucionalmente previstas, também o Legislativo e o Executivo atuam, excepcionalmente, em caráter jurisdicional ou judicante. As considerações a seguir traçadas neste segmento de nossos estudos aplicam-se, em verdade, a todos os atos jurisdicionais. Mas, seja para seguir a tradição da doutrina e da jurisprudência brasileira sobre o tema, seja à vista do dado de serem judiciais quase todos os atos jurisdicionais, seja, por fim, pelo fato de que nossa principal preocupação será agora o exame do inciso II do art. 5º da Lei 1.533, doravante usaremos, por comodidade remissiva, a expressão ato judicial. Por óbvio, o Poder Judiciário também pratica atos administrativos. Mas aqui inexiste qualquer peculiaridade, sendo a matéria tratada como se dá com qualquer outro ato administrativo, do Executivo ou do Legislativo.

A matéria foi objeto das Súmulas 267 e 268 do Supremo Tribunal Federal.

Pela primeira (nº 267), "não cabe Mandado de Segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição", enquanto que, pela de nº 268, "não cabe Mandado de Segurança contra Decisão Judicial com trânsito em julgado".

No tocante à Súmula de nº 268, pode-se afirmar que o próprio STF, apesar de a mesma permanecer em vigência, "às vezes a desconsidera, não só à vista de certas situações de dano irreparável de monta, mas também de manifesta ilegalidade, notadamente de natureza extrínseca, do ato judicial", conforme lembra SÉRGIO FERRAZ 66, enquanto que, com referência a de nº 267, pode-se afirmar que sua compreensão, pela Doutrina e pela própria Jurisprudência, ao longo dos anos, foi abrandada, até a entrada em vigor da Lei nº 8.950 de 13.12.94.

Ademais, não só em razão do imperativo teórico de que a legislação infraconstitucional deverá conformar-se aos preceitos contidos na Lei Maior, mas, igualmente, pelo conteúdo dos incisos XXXV e LXIX do art. 5º da Lei Maior, entendemos que as limitações constantes do inciso II (art. 5º, Lei 1533/51) não foram recepcionadas pela CF/88, razão pela qual são incabíveis e, em conseqüência, inconstitucionais. Demonstremos esta afirmativa.

Preceitua o inciso XXXV que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", enquanto que no inciso LXIX lê-se que "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público".


65 Mandado de Segurança (Individual e Coletivo) Aspectos Polêmicos. 3. ed., Malheiros Editores, 1996, p. 96-97.

66 ob. cit. p. 101.


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Em primeiro lugar, chamemos a atenção para o fato de que o Princípio da Universalidade da Jurisdição contido no inciso XXXV, não impõe nenhuma restrição à busca de um pronunciamento judicial, o mesmo acontecendo na segunda das regras constitucionais referidas, especificamente, com relação ao Mandado de Segurança.

Note-se que, quando a Constituição vigente pretendeu estabelecer exceções-limites a Direito ou Garantia contidos no art. 5º, o fez de forma explícita. Assim, por exemplo, apesar de afirmar no inciso LXVIII que "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder", fez uma ressalva em seu art. 142 § 2º ao determinar que "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares".

Isto significa dizer, em outras palavras, que onde a Constituição não limitou, inconstitucional é qualquer limitação oriunda da legislação ordinária, em razão da característica de supremacia que configura a Lex Magna, razão pela qual, apesar de alguns entendimentos em sentido contrário, pensamos que a análise do Mandado de Segurança, mormente após a vigência da Constituição Federal de 5.10.88, há de ser sempre feita, partindo-se de dois pressupostos informativos:

a)- em primeiro lugar, a valorização dada pelo texto aos Direitos Individuais e Coletivos, a ponto de colocá-los, topograficamente, no pórtico da Lei Maior, além do fato de considerá-los intangíveis pelo exercício do Poder Reformador, seja através da Revisão, seja através da Emenda;

b)- em segundo lugar a natureza de Garantia Constitucional do instituto, a ponto de SÉRGIO FERRAZ escrever que

"o mandado de segurança é um dos mais notáveis temas a atrair a atenção de qualquer jurista: ao mesmo tempo em que é ele um instrumento processual e um instrumento processual excelso -, é também uma garantia individual. Esta bivalência na sua natureza não significa um cochilo doutrinário, nem uma impropriedade do constituinte, nem, tampouco, uma velharia que a tradição tenha consolidado. Deve-se ter em mente que não se trata de sorte alguma de um desvio, de uma patologia conceitual. Na verdade, o que se tem aí é uma fidelidade absoluta, é a dimensão exata do que é o mandado de segurança. A um só tempo garantia instrumental, e, por outro lado, também uma garantia básica da própria cidadania" 67.

Em outro trabalho, afirma o mesmo autor 68:

partejado que foi como instrumento das liberdades fundamentais, inserido que está dentre as garantias mestras, o mandado de segurança há de ser sempre liberalmente encarado e compreendido. É dizer, hão de ser mínimos os impedimentos e empecilhos à sua utilização; na dúvida quanto a seu cabimento, há que preponderar o entendimento que se inclina em seu favor; nas questões polêmicas que seu estudo suscite, há de prevalecer a corrente que se revele produtora da maior amplitude de suas hipóteses de incidência e de espectro de atuação. (...) Como, a um só tempo, remédio processual e garantia constitucional, o mandado de segurança, em seu cabimento e amplitude, há de ser admitido de forma amplíssima, tendo-se por ilegítimo tudo que amesquinhe tal parâmetro (destaque nosso).

Exatamente em razão deste caráter de Garantia Constitucional, é que o Mandado de Segurança deverá ser sempre compreendido em posição de superioridade, não podendo as leis que o regulamentam, criarem-lhe obstáculos ou limitações ao seu uso, indo, desta forma, além do comando contido na Lei Maior.

Neste sentido, EDUARDO ALVIM, em artigo intitulado Perfil Atual do Mandado de Segurança69, referindo-se a um caráter multidisciplinar do instituto, afirma que

Mais importante que esta visão setorial do mandado de segurança é não se perder de vista que, antes de tudo, o mandado de segurança é uma garantia constitucional. E enquanto garantia constitucional, cada um


67 Liminar em Mandado de Segurança. In Direito Processual Público. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 134.

68 ob. cit. p. 14.

69 In Direito Processual Público. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 118.


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desses estudiosos de cada um desses ramos do Direito necessariamente deverá ter presente as cláusulas plasmadas no texto constitucional sob pena de, em enfocando apenas a legislação infraconstitucional concernente a cada um desses diversos ramos do Direito, partir de uma grande distorção de perspectiva e chegar a conclusões igualmente distorcidas". Em seguida, escreve: "Se o mandado de segurança é garantia constitucional e seus limites estão traçados na própria Constituição, é necessariamente a partir da cláusula inserta no inciso LXIX do art. 5º que este deve ser analisado. Todos os demais regramentos devem estar de acordo com o disposto no mandamento constitucional70.

Em princípio, a perspectiva a que nos referimos, não deveria ter necessidade de ser destacada, em razão do caráter constitucional da matéria. Contudo, se o fizemos, como de resto o fizeram SÉRGIO FERRAZ e EDUARDO ALVIM, foi na esperança de que o Poder Judiciário, na condição de Defensor da Constituição, não se comporte timidamente e, mais que isto, não se curve às limitações que, sobretudo, Medidas Provisórias claramente inconstitucionais e casuísticas, tentam impor ao instituto, algumas das quais, com a concordância, inclusive do STF, o que não nos intimida a defender o ponto de vista que defendemos, na esperança de que aquele pretório um dia (oxalá que não demore muito), dê ao Mandado de Segurança seu verdadeiro sentido, isto é, sua natureza de Garantia Constitucional, sem limitação alguma, senão aquelas que estejam no próprio texto da Lei Maior de 1988, ao prescrever em seu art. 5º, incisos LXIX e LXX:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX- o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a)- partido político com representação no Congresso Nacional;

b)- organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Em última análise, o instituto tem natureza jurídica de ação com características próprias, sendo definido por HELY LOPES MEIRELLES na monografia Mandado de Segurança e Ação Popular 71 como

o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica com capacidade processual, ou universalmente reconhecida por lei, para a proteção de direito individual líquido e certo, não amparado por habeas corpus, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerçam.

JOSÉ CRETELLA JUNIOR 72, após afirmar que "ao contrário do que ocorre com outros institutos do mundo jurídico, cuja conceituação esbarra com uma série nítida de dificuldades, a definição do mandado de segurança é bastante simples", fala-nos de uma definição legal, de uma definição residual e de uma definição real, entendidas, respectivamente, como aquela oferecida pelos textos jurídicos positivos (definição legal) - ex: art. 153 § 21 da Constituição Federal vigente (l967/69); aquela oferecida pelos constituintes, no sentido de que o "habeas corpus é uma espécie do gênero mandado de segurança (definição residual)" e aquela que visa dizer "o que a coisa é, dando-lhe todas as conotações possíveis no mundo existencial (definição real)", posição esta em que a doutrina brasileira tem-se esmerado em fornecer" 73.

Prosseguindo, e após citar os entendimentos de ALFREDO BUZAID, SEABRA FAGUNDES, LOPES MEIRELLES e CASTRO NUNES, CRETELLA faz uma "análise da definição" e conclui: "A


70 Ob. cit. p. 119.

71 Ed. RT, 1975, p. 12.

72 Do Mandado de Segurança. José Bushatsky Editor, 1974, p. 25 e segs.

73 O Autor manteve seu posicionamento no livro Os "Writs" na Constituição de 1988. Forense Universitária, 1989, p.10-12.


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conceituação do Mandado de Segurança não oferece maiores dificuldades, pois a própria lei brasileira dá os elementos para o delineamento conceitual".

PINTO FERREIRA, no livro Teoria e Prática do Mandado de Segurança74, por sinal na mesma linha de MEIRELLES, afirma que Mandado de Segurança

é uma ordem judicial para proteger o titular de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, contra a autoridade pública, ou com funções delegadas por tal poder, de qualquer categoria e sejam quais forem as funções que exerça, que o ameace mediante atos trazendo-lhe violação ou justo receio de sofrê-la, por ilegalidade ou abuso de poder, no qual são determinadas as providências pedidas na decisão que julgar procedente ao pedido.

ALFREDO BUZAID 75, estabelecendo um paralelo entre o habeas corpus e o instituto ora em análise, declara que "na sistemática constitucional o mandado de segurança e o habeas corpus se distinguem e se completam, pressupondo ambos ilegalidade ou abuso de poder, sendo cabível o primeiro para direito líquido e certo e o segundo, para a liberdade de locomoção".

Ora, quem quer que esteja diante de uma coisa julgada inconstitucional, tem o direito líquido e certo de contra ela se insurgir, exatamente pelo fato de que a inconstitucionalidade é a pior das ilegalidades e a existência desta é pressuposto para a impetração do Remédio heróico.

Este, contudo, não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que já deveria ter revisto o conteúdo da Súmula 268 e, em conseqüência, o posicionamento nela assentado, do que é exemplo a decisão proferida nos autos do RMS nº 17.976 (13.09.1968), Relator Min. AMARAL DOS SANTOS (RTJ nº 55, p. 744 e segs), nos seguintes termos: "a suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional. Contudo, a nulidade da decisão judicial transitada em julgado só pode ser declarada por via da ação rescisória, sendo impróprio o mandado de segurança"76.

Mesmo o pronunciamento sumulado do STF e as decisões por ele tomadas no mesmo sentido (no que é seguido pelos demais órgãos do Poder Judiciário) não nos farão mudar de entendimento, na esperança de que, tal como aconteceu com as Súmulas 267 e 359 que sofreram nova e posterior interpretação por parte do Pretório Excelso.

Sobre a mencionada Súmula 359, nos permitimos transcrever o que sobre ela escrevemos em nosso livro Direito Adquirido, Emenda Constitucional e Controle da Constitucionalidade 77: Súmula 359 (STF): "Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária".

Atualmente (e correspondendo a uma fase), entretanto, como observa ROBERTO ROSAS em seu livro Direito Sumular - Comentários às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça78:

"a parte final desta Súmula foi excluída a partir de `inclusive a apresentação...voluntária'. Assim, entendeu o STF porque a afirmação do direito à aposentadoria conduz ao direito adquirido. Se já houve a aquisição desse direito, não pode estar condicionado a outra exigência (RE 86.608, Rel. Min.


74 Ed. Saraiva, 1984, p.3.

75 Do Mandado de Segurança - v. I: Do Mandado de Segurança Individual. Ed.Saraiva, 1989, p.80.

76 Cf. GILMAR FERREIRA MENDES, ob. cit. p. 260.

77 Ed. Lumem Juris, 2. ed., p. 70-72.

78 Malheiros Editores, 1995, 7. ed., p. 142.


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Xavier de Albuquerque, RTJ 83/304; RE 85.330, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 15.12.1980 - Proventos com base em todas as vantagens a que fazia jus quando adquiriu o direito; RTJ 106/763, 107/1.207 e 109/739)"79.

Estudando a matéria, CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO80 doutrina que "referida Súmula já sofreu reformulação. Ou o STF já decidiu, posteriormente a ela, de modo diverso, tornando irrelevante o requisito da manifestação da vontade, ou do requerimento" (destaque nosso).

E prossegue, em texto longo, mas de irrenunciável transcrição:

No recurso de Mandado de Segurança 11.395, Relator o Ministro LUIS GALLOTTI, assim se decidiu:

`Se, na vigência da lei anterior, o funcionário havia preenchido todos os requisitos para aposentadoria, não perde os direitos adquiridos pelo fato de não haver solicitado a concessão' 81.

Em seu voto, disse o Ministro GALLOTTI:

`Uma coisa é a aquisição de direito; outra, diversa, é o seu uso ou exercício. Não devem as duas ser confundidas. E convém ao interesse público que não o sejam, porque, assim, quando pioradas pela lei as condições de aposentadoria, se permitirá que aqueles eventualmente atingidos por ela, mas já então com os requisitos para se aposentarem de acordo com a lei anterior, em vez de o fazerem imediatamente, em massa, como costuma ocorrer, com graves ônus para os cofres públicos, continuem trabalhando, sem que o Tesouro tenha de pagar, em cada caso, a dois, ao novo servidor em atividade e ao inativo' 82.

No Recurso Extraordinário 62.361-SP, caminhou no mesmo sentido o STF. O Relator, Ministro EVANDRO LINS, depois de mencionar o voto do Ministro GALLOTTI, referido, esclareceu:

`Por ocasião do julgamento desse recurso de mandado de segurança 11.395, o tema que se versa no presente recurso extraordinário foi amplamente debatido, e o STF chegou à conclusão de que o funcionário não perde os direitos concedidos na lei anterior se preenchia, na sua vigência, os requisitos para a aposentadoria, não ficando esses direitos subordinados à apresentação de requerimento. Fui voto vencido, mas me curvo à decisão do plenário'.

Deixou expresso, ademais, o Ministro EVANDRO LINS, no seu voto, que a Súmula 359, quanto à expressão `inclusive a apresentação do requerimento', foi alterada no julgamento do recurso de mandado de segurança n. 11.395 83.

Esta, pois, a posição atual do STF:

`Se, na vigência da lei anterior, o servidor preenchera todos os requisitos exigidos, o fato de, na sua vigência, não haver requerido a aposentadoria, não o faz perder o seu direito que já estava adquirido' 84 - destaques nossos.

Encerrando, permitimo-nos fazer duas considerações, a primeira das quais, bem o sabemos, bastante polêmica: para nós, o prazo fixado pela Lei 1533/51, para interposição do Mandado de Segurança, não foi recepcionado pelo novo sistema constitucional brasileiro, pelo que se encontra, automaticamente, revogado; a segunda, é um voto de confiança na esperançosa luta de que venha o STF rever sua posição, mormente agora (embora com atraso), diante dos argumentos que estão sendo levantados pela Doutrina e fundamentados no texto constitucional e sua correta interpretação.


79 Destaques nossos. Veja-se, a propósito, WILSON BUSSADA, Súmulas do Supremo Tribunal Federal - Acórdãos de origem & Sentenças decorrentes, Jurídica Brasileira, 1994, v. II, p. 1499-1510.

80 Servidor Público - Aposentadoria - Direito Adquirido - Das Limitações do Poder Constituinte Derivado. "Temas de Direito Público", Del Rey, 1994, p. 441-442).

81 RDA 82/186.

82 Destaque nosso.

83 RTJ, 48/392.

84 RTJ, 48/392.


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4.3. Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença

Antes de mais nada, vale a repetição: o Brasil se declara, no art. 1º de sua Constituição Federal, como "Estado Democrático de Direito", razão pela qual, o Princípio da Legalidade há de estar presente em todos os Atos, sejam oriundos do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, estes últimos, inclusive quando edita Atos ou Decisões Judiciais (sentenças e acórdãos). Neste sentido, correta é a observação de FRANCISCO BARROS DIAS, quando no artigo intitulado Breve Análise sobre a Coisa Julgada Inconstitucional 85, tecendo considerações sobre os Princípios norteadores do nosso sistema jurídico, afirma que "as decisões judiciais, por conseguinte, deverão se sujeitar, primeiro, aos ditames da Constituição, segundo aos ditames legais quando estes estiverem conforme o texto Magno. Afora essas circunstâncias é querer o impossível e o imaginário, dentro de uma ordem jurídica que não autoriza outra alternativa".

Adiante, de forma incisiva, escreve:

Vale salientar que, a coisa julgada está calcada na segurança, estabilidade e certeza jurídicas, quando há apenas violação de norma infraconstitucional, o que não se pode dizer, igualmente, com relação a uma norma constitucional violada. Aí, esses princípios que fundamentam a coisa julgada não são suficientes para mantê-la de forma definitiva, porque a lei maior é que restou violada, comprometendo assim o berço de todo o sistema.

Verifica-se, portanto, que a coisa julgada é importante, relevante, tem de ser prestigiada, porém, é vulnerável a própria atividade do Poder Judiciário e não guarda, por conseguinte, o caráter de intangibilidade que se lhe quer emprestar. É tangível por meio de ação rescisória nos casos ali elencados e deve ser muito mais quando estiver em confronto com norma ou princípio constitucional86.

Conforme foi dito, o ataque à coisa julgada inconstitucional encontra óbices na Ação Rescisória, sobretudo, em razão do prazo decadencial; encontra limites, segundo alguns, no uso do Mandado de Segurança que, segundo esses, não caberia contra Ato Judicial.

Resta, então, a utilização da Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença, nos termos dos arts. 4º e 5º do CPC, e que não deverá ser confundida com aquela outra prevista no art. 486 do mesmo diploma legal87.

Também neste caso, não são poucos os que contestam o uso desta Ação com o fim de corrigir a distorção de coisa julgada frente à qual venha a ocorrer pronunciamento posterior do STF sobre a inconstitucionalidade de norma que fundamentou a decisão que se pretende ver anulada.

Neste sentido, JOSÉ ORLANDO ROCHA DE CARVALHO em recente livro intitulado Ação Declaratória 88 insiste nesta orientação, trazendo, inclusive, decisão do TACRJ - AC 7991/92, 7ª CC, Rel. Juiz PEDRO FERNANDO LIGIERO - J. 09.09.1992, nos seguintes termos:

Não se deve confundir, no entanto, a possibilidade de se declarar relações de direito processual com a pretensão de buscar a revisão de decisões judiciais quanto ao mérito do julgamento. Para tal é que existe a ação rescisória que deve ser articulada no prazo legal (dois anos) e apenas naqueles casos excepcionalmente previstos em lei (art. 585, itens I a IX do CPC). Neste sentido, expressivo julgado já estabeleceu que: "Ação Declaratória - Trânsito em julgado da decisão anterior - As decisões judiciais gozam de presunções de licitude a certeza. A declaratória não é meio hábil para rever decisões judiciais. Falta de interesse. Extinção do processo (Jurissíntese, n. 19, ed. set/out./99).


85 Publicado no site da Justiça Federal do Rio Grande do Norte: <www.jfrn.gov.br>, p. 6.

86 Artigo cit. p. 9.

87 A título de esclarecimento, veja-se o determina o art. 486: "Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

88 Forense, 2002, p. 223.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


Iniciemos estas considerações com a transcrição do texto constante do CPC e referente aos mencionados artigos 4º e 5º:

Art. 4º - O interesse do autor pode limitar-se à declaração:

I - da existência ou da inexistência de relação jurídica;

II - da autenticidade ou falsidade de documento.

Parágrafo único - É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.

Art. 5º - Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença.

Mais uma vez, a Doutrina e os Tribunais limitam-se a admitir o uso da Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença quando se tratar de matéria infraconstitucional, do que é exemplo, o descumprimento do art. 214 do CPC ao determinar que "para a validade do processo, é indispensável a citação inicial do réu", o que se enquadraria do inciso I do art. 4º acima referido.

Neste sentido, a Jurisprudência é farta, tal como se verifica no mencionado JOSÉ ORLANDO ROCHA DE CARVALHO 89 ao mencionar as seguintes decisões:

Súmula 7 do TJSC: A ação declaratória é meio processual hábil para se obter a declaração de nulidade do processo que tiver ocorrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação mal feita (RT 629/206).

Declaratória - nulidade da sentença por vício de citação do réu - possibilidade. Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu revel na ação em que ela foi proferida. Ao lado da rescisória e dos embargos à execução, emerge, embora contraditada, a ação declaratória. Se o prazo das duas primeiras exaure-se a parte alegando falta de citação pode vir a juízo, através da declaratória para postular a nulidade do processo (STF (in Jurisprudência Brasileira, v. 93, p. 127).

Não somos contrários às decisões mencionadas, até porque, a citação inicial é indispensável ao cumprimento do Due Process of Law e seus desdobramentos nos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa.

O que não entendemos nem aceitamos, é que se admita todo o desmoronamento do sistema jurídico, como conseqüência do descumprimento da Constituição, após este ter sido reconhecido, por decisão definitiva em controle concentrado ou difuso, pelo órgão maior encarregado da Guarda da Constituição, ou seja, do Supremo Tribunal Federal.

Neste caso, afirmamos sem nenhuma titubeação, que a relação jurídica ou decisão judicial fundamentada em norma inconstitucional, assim reconhecida por decisão posterior do STF, é relação jurídica ou decisão judicial inexistente, que não se curva ou se modifica nem mesmo frente à coisa julgada, a qual não traz em si o condão de sanar a sua inexistência.

Em conseqüência, até mesmo a coisa julgada quando inconstitucional é inexistente, razão pela qual, em nosso entender, é perfeitamente cabível que aquele que se considere prejudicado por decisão contrária à Constituição, possa bater às portas do Poder Judiciário para ver sanados efeitos decorrentes de sentença inconstitucional, portanto, inexigível em razão de sua inexistência.

Destaque-se o aspecto essencial da questão: a revogação da sentença transitada em julgada (ao contrário do que ocorre com a Lei e Atos Administrativos), em razão da decisão definitiva de inconstitucionalidade em que ato judicial se baseou, não se dará automaticamente, mas sim, através de novo pronunciamento judicial.


89 Ob. cit. p. 222.


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Sobre a matéria, é importante a lição de PONTES DE MIRANDA: "a eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível"90.

Este é o entendimento de JOSÉ FRANCISCO LOPES DE MIRANDA LEÃO (Sentença Declaratória - Eficácia quanto a terceiros e eficiência da Justiça 91) quando afirma:

Bastaria lembrar a possibilidade de que, antes da declaração de inconstitucionalidade, a norma impugnada tenha servido de fundamento para uma sentença judicial, já passada em julgado e executada. Quem ousará sustentar que essa sentença deva ser atingida pela declaração de inconstitucionalidade a ponto de se anular a coisa julgada e desfazer a execução?

Posto que se trata de examinar efeitos produzidos no mundo fenomêmico, não há como, data venia, lograr-se uma classificação abstrata e teórica dos efeitos que devam e dos que não devam ser suprimidos, em concreto, como conseqüência da declaração de inconstitucionalidade. A questão, pois, parece-me deva ser resolvida a partir do objeto mesmo da ação, que, como visto, é antes assegurar a coerência constitucional do sistema normativo do que alterar situações jurídicas concretas.

Assim, o que parece mais correto será dizer que, de um lado, ninguém mais poderá invocar a norma fulminada para sustentar pretensão individual, mas a sentença que fulminou a norma também não poderá ser invocada para, automática e imediatamente, desfazer situações concretas e direitos subjetivos, porque nunca foram objeto da pretensão declaratória de inconstitucionalidade, devendo ser tratados, esses direitos e essas situações concretas, por via própria, em que seja, sob garantia de contraditório e ampla defesa, assegurada a análise correta e completa da juridicidade, alcance a viabilidade da eventual reversão ex tunc.

Finalizando, demos a palavra a FRANCISCO BARROS DIAS92 quando afirma:

Quanto aos efeitos, deve a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade de Coisa Julgada guardar coerência com os efeitos do recurso extraordinário, qual seja, ex tunc, da mesma forma que a eficácia, nesse tipo de recurso, é apenas com relação às partes no processo. O mesmo deve ser dito no tocante à espécie de ação aqui propugnada.

A questão deve ser vista, portanto, sob o ângulo da inafastabilidade do controle jurisdicional, utilizando-se do instrumento que o sistema jurídico oferece, sem maiores dificuldades de seu manejo. Parece-nos se tratar de situação que merece apenas um mínimo de boa vontade para utilização de tão nobre tutela de garantia constitucional.

As razões aqui apregoadas justificam, de forma fundada, a aceitação da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade de Coisa Julgada, proposição que fazemos nesta oportunidade como sendo um meio de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional e de melhor atender os reclamos da sociedade, especialmente na busca de se evitar as constantes injustiças quando da constatação de decisões contraditórias, embora se tratando de situação jurídica rigorosamente idêntica.

5. Necessidade de uniformização das Decisões Judiciais

O que se busca ao defendermos a posição que vimos adotando, é a existência de uma uniformização das Decisões Judiciais bem uma fundamentação não apenas jurídica, mas, inclusive sociológica. Em outras palavras: o que se pretende é que a mesma Lei, quando interpretada por diversos órgãos do Poder Judiciário, inclusive o Supremo Tribunal Federal, possa ter seu entendimento unificado, a fim de que não se cometam tratamentos desiguais para situações iguais, até porque, e em última análise, ao lado dos prejuízos in concreto (em relação às pessoas), esta situação causará um prejuízo à própria imagem do Poder Judiciário e da Constituição.


90 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto, A Ação Rescisória e o Problema da Superveniência do Julgamento da Questão Constitucional. In: Revista de Processo, n. 79, ano 20, jul.-set., 1995, p. 160.

91 Malheiros Editores, 1999, p. 56-57. Itálico nosso.

92 Coisa Julgada Inconstitucional, p. 139. Negritos no original.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


Exatamente por isto, é que, em se tratando de matéria constitucional decidida pelo STF, entendemos cabível o uso dos instrumentos acima mencionados e que não poderão ser substituídos, sequer, pela tese hoje tão defendida por alguns, da Súmula Vinculante, exatamente porque esta só resolveria os problemas enquanto não se tivesse consumado o prazo decadencial da Ação Rescisória.

Para melhor esclarecer a questão, socorremo-nos, mais uma vez, do ensinamento de FRANCISCO BARROS DIAS em sua já citada Dissertação de Mestrado Coisa Julgada Inconstitucional 93.

Em capítulo intitulado Precedentes Jurisprudenciais alterados pela Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, afirma o autor:

Invocaremos aqui algumas situações concretas que restaram conhecidas em todo território nacional, as quais dizem respeito à revisão de vencimentos de servidor público, sendo a primeira referente aos 84,32% e a segunda a 28,86%.

Como se trata de matéria relativa ao servidor público, submetida, consequentemente, à competência da Justiça Federal, foi a primeira acolhida em primeiro e segundo graus de jurisdição, sob o argumento de existir direito adquirido previsto no texto constitucional, cuja tese chegou a ser abraçada pelo Superior Tribunal de Justiça.

A segunda foi rejeitada em primeiro e segundo graus, sob o argumento de que os servidores civis não estavam abrangidos por esse percentual que havia sido concedido aos militares através da Lei nº 8.627/93, tendo, inclusive, recebido a chancela do Superior Tribunal de Justiça.

Razão assiste a BARROS DIAS. O índice de 84,32% deixou de ser concedido quando do Plano do Governo Federal (1990) a todos os servidores, civis e militares, enquanto os 28,86%, que havia favorecido aos militares, não fora extensivo aos servidores civis (Lei nº 8.627/93).

No tocante aos 84,32% reconheceu-se o direito adquirido à percepção, em todas as instâncias (inclusive o STJ), sendo que no STF, foi ele entendido como não devido, tal como se observa do acórdão seguinte, Rel. Min. OCTÁVIO GALOTTI 94:

Mandado de Segurança contra ato omissivo do Presidente do Supremo Tribunal, em virtude do qual ficaram privados os Impetrantes, funcionários da Secretaria da Corte, do reajuste de 84,32% sobre os seus vencimentos, a decorrer da aplicação da Lei nº 7.830, de 28.9.90.

Revogada esta pela Medida Provisória nº 154, de 16.3.90 (convertida na Lei nº 8.030/90), antes de que se houvessem consumados os fatos idôneos à aquisição do direito ao reajuste previsto para 01.04.91, não cabe, no caso, a invocação da garantia prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição.

Pedido indeferido por maioria.

Com referência ao índice 28,86%, ocorreu, exatamente, o inverso, ou seja, todas as instâncias o negaram e o STF, posteriormente, o concedeu, em decisão que teve como Rel. o Min. MARCO AURÉLIO, nos seguintes termos 95:

Revisão de Vencimentos - Isonomia.

A revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data - inciso X - sendo irredutível, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo) os vencimentos dos servidores públicos civis e militares - inciso XV, ambos do artigo 37 da Constituição Federal.

Vale ressaltar, que ambas as decisões criaram tratamento desigual entre servidores públicos de situações idênticas, pelo fato de que, vencido o prazo decadencial da Ação Rescisória, e não sendo


93 Recife, 1999, p. 118-124.

94 Cf. BARROS DIAS, ob. cit. p. 120. RTJ, dez. 1990, p. 112, v. 134. Pleno do STF. Maioria de 6 votos a 3, quando votaram 9 Ministros.

95 BARROS DIAS, ob. cit. p. 122.


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possível (para muitos) o uso do Mandado de Segurança para buscar a diferença dos 28,86%, a coisa julgada, apesar do entendimento definido pelo STF, há de permanecer intocável, sobretudo, no tocante ao acréscimo que seria incorporado aos vencimentos daqueles que tiveram o índice negado (28.86%), sendo que, no tocante aos 84.32% poderia ser invocado pela União, o preceito inserido no CPC (art. 741, parágrafo único), com a edição da Medida Provisória nº 2.180 (art. 10), de 24.08.2001 e que será objeto do item seguinte.

6. A Medida Provisória nº 2.180-35 (24.08.2001) e o art. 741 do CPC.

Com a Medida Provisória nº 2.180 (art. 10), que em 24.08.2001 recebeu sua 35ª reedição, o art. 741 do CPC, com a redação dada pela Lei no 8.953, de 13 de dezembro de 1994, passou a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único 96:

"Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal".

Observe-se que a inovação introduzida no art. 741 do CPC encontra-se, em princípio, na linha do raciocínio que vimos defendendo, ou seja, que havendo decisão proferida pelo STF sobre a inconstitucionalidade de determinada Lei ou Ato, as decisões proferidas pelas instâncias inferiores devem se curvar ao entendimento do órgão máximo do Poder Judiciário, encarregado de defender a Constituição.

Em outras palavras: em razão dos efeitos erga omnes e ex tunc que marcam as decisões definitivas proferidas pelo STF em matéria de Controle de Constitucionalidade, devem estes efeitos alcançar, não só as ações a serem julgadas, mas igualmente, aquelas já decididas e transitadas em julgado.

Contudo, apesar desta concordância inicial, a alteração procedida pela MP nº 2.180 (24.08.2001, art. 10) merece algumas observações e críticas, a saber:

a) - No caso, bem o sabemos, o objetivo da Medida Provisória teve um endereço certo, ou seja, evitar que aquelas ações nas quais se discutiam aplicações de índices referentes aos Planos Econômicos editados por diferentes Governos, e que já tinham decisão transitada em julgado com conteúdo diverso ao entendimento do STF pudessem ser executados contra a Fazenda Pública, ou necessitassem de Ação Rescisória, pois em muitos casos, já era decorrido o prazo de 2 anos;

b) - Uma destas situações visadas pela MP nº 2.180 (24.08.2001, art. 10), é o referente à correção do saldo das contas de FGTS, saldos estes, em milhares de casos, cujas decisões proferidas com o aval do STJ, incluíam índices que o STF não apreciou, deixando-os a critérios do STJ, que já os sumulou.

Dando à matéria interpretação diferente, é de observar-se que a Caixa Econômica Federal, pela via da Exceção de Pré-Executividade, vem tentando limitar a correção dos índices, àqueles reconhecidos (em razão da natureza constitucional) pelo STF, no que, pelo menos em relação ao TRF-5ª Região, não vem logrando êxito em razão de decisões já proferidas por uma de suas Turmas;

c) - a MP nº 2.180 (24.08.2001, art. 10), não prevê a hipótese inversa, ou seja, que aquelas ações julgadas em sentido contrário à decisão proferida pelo STF contra a Fazenda Pública, pudessem, igualmente, ser corrigidas, do que é exemplo o índice de 28,86%, que havia favorecido aos militares, não fora extensivo


96 CPC, art. 741: "Na execução fundada em título judicial, os embargos poderão versar sobre: II - Inexigibilidade do título". Cumpre lembrar que em razão do que determina a Emenda Constitucional nº 32/2001, a qual modificou o art. 62 da CF no tocante à edição das Medidas Provisórias, pode-se dizer que este novo comando inserido no CPC não tem nenhuma característica de provisoriedade, mas, ao contrário, de definitividade. A propósito, determina a referida EC, em seu art. 2º: "As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". A propósito, veja-se IVO DANTAS, Breves Comentários à Emenda Constitucional nº 32/2001, no prelo.


Coisa Julgada Inconstitucional: Declaração Judicial de Inexistência


aos servidores civis (Lei nº 8.627/93) por pronunciamentos judiciais e, posteriormente, o STF entendeu ser devido.

Mais uma vez, portanto, o cidadão sai prejudicado por uma legislação casuística que, em sua essência, poderia ter sido a solução para o problema que se discutiu ao longo deste estudo. Entretanto, na prática, a MP 2.180/2001 apenas veio servir à voracidade do Executivo Federal, que utilizando-se do uso deste infeliz instituto chamado Medida Provisória, legislar em causa própria e em detrimento dos princípios maiores que informam o Estado Democrático de Direito.

7. Conclusões. Nossa posição

Páginas atrás, em referência feita a CÂNDIDO DINAMARCO, falou-se na necessidade de "encontrar um legítimo ponto de equilíbrio entre a garantia constitucional da coisa julgada e aqueles valores substanciais" mencionados por JOSÉ AUGUSTO DELGADO e outros, para Relativizar o Conceito de Coisa Julgada.

Este equilíbrio de que se fala, é um dado de profunda necessidade, isto porque, se em relação à Coisa Julgada Inconstitucional justifica-se uma maior abertura para a sua rescisão no sentido de homenagear a norma constitucional, nos demais casos mencionados pela Doutrina é preciso evitar-se uma relativização tão ampla, que ao final comprometa a própria essência do instituto.

Assim, pode-se até afirmar que a rescisão da coisa julgada calcada em Lei que, posteriormente, teve sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal em decisão definitiva, não oferecerá maiores dificuldades, visto que estaremos diante de um dado objetivo, que deverá ser comprovado com a juntada, logo na petição inicial, de Certidão comprovadora do julgamento pela mais alta Corte do Poder Judiciário Brasileiro.

Em outras palavras: como o reconhecimento superveniente de que a Lei que fundamentou a decisão está marcada pela Inconstitucionalidade e, portanto, contamina o Ato Judicial que nela está amparado, impossível é defender-se sua permanência em nome da segurança jurídica que, no caso, não deverá preocupar-se com o interesse de uma das partes (aquela que foi vitoriosa pela decisão anterior), mas sim, com a segurança ou interesse público maior, isto é, a Guarda da Constituição.

Neste sentido, a expressão decisão injusta, como o admite JOSÉ AUGUSTO DELGADO 97, por trazer em si uma forte carga de natureza filosófica ou mesmo emotiva, quer-nos parecer que deva ser encarada, naqueles casos em que fere, por exemplo, a Moralidade Administrativa ou Direitos Fundamentais, ou ainda "violação ao meio ambiente e destruição das condições do próprio habitat do ser humano" (HUGO NIGRO MAZZILLI 98), não como injustas, mas inconstitucionais mesmo, em razão de ferirem princípios constitucionais postos na Constituição.

A simples substituição de injusta por inconstitucional já põe, por si só, limites a abusos que se desejem praticar.

Neste ponto, permitimo-nos, mais uma vez, dar a palavra a CÂNDIDO DINAMARCO 99 ao afirmar:

Nessa perspectiva metodológica e levando em conta as impossibilidades jurídico-constitucionais acima consideradas, conclui-se que é inconstitucional a leitura clássica da garantia da coisa julgada, ou seja, sua leitura com a crença de que ela fosse algo absoluto e, como era hábito dizer, capaz de fazer do preto, branco e do


97 Ver artigo mencionado, p 15-16.

98 Apud DINAMARCO, artigo citado, p. 46.

99 Artigo citado, p. 61.


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quadrado, redondo. A irrecorribilidade de uma sentença não apaga a inconstitucionalidade daqueles resultados substanciais política ou socialmente ilegítimos, que a Constituição repudia. Daí a propriedade e a legitimidade sistemática da locução, aparentemente paradoxal, coisa julgada inconstitucional.

Diante deste raciocínio, podemos chegar às seguintes conclusões, a partir das quais novos aspectos poderiam ser analisados, desde que aceita a trilogia da Tese, Antítese e Síntese. São elas:

a) - se a inconstitucionalidade significa inexistência da lei e/ou ato, não se poderá falar em Coisa Julgada, por encontrar-se esta fundamentada em algo que não existe. A expressão Coisa Julgada Inconstitucional, neste caso, a rigor, seria utilizada mesmo reconhecendo-se a contradição intrínseca que representa. Teria, possivelmente, um sentido mais retórico, que científico;

b) - sendo a Coisa Julgada calcada em norma inconstitucional, não se há de falar em relativização ou flexibilização da Coisa Julgada Inconstitucional, razão pela qual, os meios processuais utilizáveis para a sua impugnação apenas irão reconhecer, através de novo pronunciamento, que a decisão rescindenda, juridicamente, nunca existiu, por estar calcada em Inconstitucionalidade. Na prática, contudo, sem a rescisão, e como foi dito com base em PONTES DE MIRANDA, "a eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível";

c) - como a Argüição de Inconstitucionalidade poderá ser feita a qualquer tempo, em qualquer instância ou Tribunal, neste caso não se aplicaria o elemento tempo, ou seja, não se há de falar em Decadência, Preclusão e/ou ainda Prescrição;

d) - se, por qualquer motivo, a Ação Rescisória for apontada como ilegítima em razão do tempo, a saída seria o uso do Mandado de Segurança ou da Ação Declaratória de Nulidade Absoluta da Sentença, em razão da inconstitucionalidade em que se encontra fundamentada. Vale lembrar que esta última hipótese já foi aceita pelo STF no Recurso Extraordinário nº 97.589, de 17.11.1882, Rel. Min. MOREIRA ALVES (v. u., DJU, 3.6.1983)100, dentro do prazo da Ação Rescisória;

e) - não se há de falar neste caso (e a repetição é didaticamente necessária) em atentado à segurança jurídica, vez que esta não se poderá assentar no nada, no inexistente;

f) - dizendo de forma objetiva: lei ou ato eivados de inconstitucionalidade, não geram direitos nem deveres, pelo que o ato judicial inconstitucional não faz coisa julgada, da mesma forma que não faz ato jurídico perfeito ou direito adquirido.

Necessário, entretanto, é que o Poder Judiciário, necessariamente provocado pelo interessado, o diga em casos concretos, visto que, só assim, poderão ser desconstituídas as decisões que, pretensamente, geraram Coisa Julgada Inconstitucional.

Recife, 01 de maio de 2002

FICHAS DE LEITURAS (Recife, 22.03.2002)

• RP, n. 79, p. 158 a 171; p. 241 a 248.

• R. Dialética de Direito Tributário, n. 8, p. 9-20.

• R. da Associação Brasileira de Dto. Tributário, n. 1, p. 177-202.

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