Concomitância de Interposição de Agravo e Pedido de Suspensão pelo Ente Público


1. Introdução

Este trabalho tem por objetivo ampliar a discussão sobre a possibilidade do ente público interpor, simultaneamente, o recurso de agravo e o pedido de suspensão de execução de decisão judicial, em face de liminar que ocasione grave dano ao interesse público primário, seja desmotivada e ilegal.

Para o desenvolvimento do tema, alguns aspectos controvertidos do mandado de segurança serão abordados. Nesse ponto, é importante se atentar que nenhuma norma, seja ela genérica ou especial, poderá ser diametralmente oposta a Carta Maior da Nação.

Convém assinalar, de outra parte, que a suspensão, conquanto abranja a outros procedimentos, tais como: a ação civil pública; a ação cautelar; a ação popular e a tutela antecipada; somente será enfocada, nos estreitos limites desta tese, em relação ao instituto jurídico a quem tem vinculado sua origem histórica, ou seja, ao mandado de segurança. Para se chegar a um entendimento acerca do tema é preciso discorrer, ainda que de forma perfunctória, sobre alguns aspectos dos institutos a serem abordados.

É importante destacar, por outro lado, que a temática, além de sedutora, desafiante, de grande utilidade ao operador do direito, é, sem dúvida alguma complexa.

Entrementes, a intenção maior é "inflar as velas do Barco dos Novos Entendimentos, que navega no mar tempestuoso das interpretações legislativas, tendo como singelo escopo instigar, de alguma forma, a mente dos questionadores das divergências doutrinárias e jurisprudenciais".1

2. Breve escorço histórico

2.1 Do Agravo

No direito português, Afonso IV não permitia que se apelasse contra as decisões interlocutórias. As partes, porém, inconformadas com os prejuízos que lhes eram causados, passaram a reagir. Inicialmente, a reação se deu através de súplicas ou petições dirigidas ao rei, as querimas ou querimônias, nas quais pleiteavam que o agravo sofrido fosse imediatamente reparado pelas "cartas de justiça", que tinham a eficácia suspensa enquanto não fossem provadas as suas alegações.2

Para imprimir maior celeridade ao procedimento as petições já subiam, por determinação do rei, acompanhadas da resposta do juiz que concedera a decisão hostilizada e que poderia revê-la3, configurando desse modo as denominadas "cartas testemunháveis" ou "instrumento de agravo".

Posteriormente, surgiu nas Ordenações Afonsinas, sendo confirmadas pelas Ordenações Manuelinas duas formas de agravos: o agravo que subia por petição, ou seja, nos próprios autos, quando o juízo de origem ficava localizado na Corte ou próximo, e o agravo que subia através de instrumento, se o juízo estivesse mais distante.4

Esses dois tipos de agravos, no direito brasileiro, constavam nos Códigos de Processos dos Estados.

No Código de Processo Civil de 1939, de abrangência nacional, além das duas modalidades já citadas, acrescentou-se o agravo nos autos do processo, para se evitar a preclusão das decisões interlocutórias.


1 FONSECA, Carlos Henrique da. A vetusta questão do cabimento de embargos infringentes em sede de mandado de segurança, sob a ótica do estatuto magno de 1988. Revista Ibero-americana de direito público, v. 2, p. 9-14.

2 BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, p. 476.

3 BARBOSA MOREIRA, assinala que se deu aí o surgimento do juízo de retratação.

4 CARNEIRO, Athos Gusmão. O novo recurso de agravo, p. 7-12.


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Já no código atual, a intenção de Alfredo Buzaid seria a de manter apenas o agravo de instrumento, todavia, por emenda na tramitação do processo legislativo, restaurou-se o agravo nos autos do processo que mais tarde passou a ser conhecido como agravo retido.

Com as constantes reformas que vêem sendo implementadas no processo, pela Lei nº 8.950/94, foi corrigida a impropriedade de se nominar recurso, passando a figurar apenas como agravo e, de acordo com a Lei nº 9.139/95, pode ser interposto de três formas: agravo de instrumento, agravo retido e agravo interno.5 Este último é conhecido como agravo regimental.

2.2 DA SUSPENSÃO

Teve inspiração no direito romano, notadamente, na intercessio do período formulário.6 A Lei nº 191/36, em seu art. 13, reproduzido pelo Código de Processo Civil de 1939, foi a primeira lei a dispor sobre o pedido de suspensão, requerido pelo ente público, ao presidente do tribunal com competência para conhecer do recurso principal, contra decisão que ocasionasse "lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública".7

Essa medida foi mantida pela lei do mandado de segurança, nº 1.533/51, em seu art. 13. Todavia, em virtude da lei não mencionar expressamente a medida liminar, nem estabelecer os requisitos a serem observados, criou-se uma grande polêmica na doutrina, pois havia autores8 entendendo que nesse caso ficaria no critério discricionário e não arbitrário do presidente do tribunal, enquanto Pontes de Miranda defendia que permaneciam os motivos elencados no Código de Processo de 1939, que não fora revogado pela Lei do mandamus.

Entrementes, essa questão só foi resolvida pela Lei nº 4.348/64, que em seu art. 4o, além de ampliar o aspecto da competência, estendeu a suspensão também a liminar, restabeleceu os critérios, acrescentando a possibilidade de dano à economia pública.

Deve-se assinalar, por outra margem, que a lei acima referida não foi revogada pela Lei nº 6.014/73, consoante decidiu o antigo Tribunal Federal de Recurso.9

Posteriormente, essa medida estendeu-se a outros procedimentos. À guisa de exemplo, cita-se a ação civil pública.

3. CONCEITOS

3.1 Do Recurso De Agravo

O Código de Processo Civil, malgrado estabeleça conceitos de institutos jurídicos - processuais diversos, o que é impróprio10, não fornece a definição de recursos11. Entretanto, na doutrina, em que o tema fica melhor situado, há diversos conceitos fornecidos pelos autores, sendo oportuno aqui, transcrever aquele


5 Além dos autores já citados, recomenda-se BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição, p. 34 e segs; LOBO DA COSTA, Moacyr. O agravo no direito lusitano, p. 8. ____________, Estudos de História do Processo-Recursos, p. 138-140; ARRUDA ALVIM, Tereza Pinto. Agravo de instrumento, p. 24-25.

6 ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Suspensão de segurança. p. 72. Ressalta, também, que essa medida existe de forma similar na Argentina, como Acción de Amparo; na Áustria; na Costa Rica; na Suíça e até em países da commom law.

7 GUTIÉRREZ, Cristina. Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público. p.29-32.

8 CASTRO NUNES, Do mandado de segurança. p. 397; SEABRA FACUNDES. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. p. 265.

9 TFR-Pleno, SS 5.287-RJ, AgRg, rel. Min. Néri da Silveira, j. 21.08.1980.

10 Diz Nelson Nery Jr., Princípios Fundamentais Teoria Geral dos Recursos, p. 168, que Savigny já alertava "do perigo representado pela codificação completa do direito com as respectivas definições, no sentido de que isto representaria o pensamento atual da ciência jurídica, impedindo, por assim dizer, a evolução material e progressiva dessa mesma ciência".

11 Lima, Maria Cesarineide de Souza. apoiada nos ensinamentos de Nelson Nery Júnior. Monografia: A medida judicial cabível para dar efeito suspensivo a recurso especial e ao recurso extraordinário, apresentada e aprovada no Curso de Pós-Graduação "Lato Sensu" em Direito Processual Civil promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil IBDP e Instituto Brasiliense de Ensino e Pesquisa IBEP. Publicada na Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Acre. Rio Branco-AC, nº 1, 2001, p. 91-130.


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que é fornecido por Barbosa Moreira: "É o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna".

Dentro do mesmo processo não significa necessariamente que seja nos mesmos autos, como adverte Barbosa Moreira, destacando, inclusive, que a propositura do agravo de instrumento origina a formação de autos apartados, bifurcando o procedimento, no entanto, o processo permanece uno.

Nesse ponto, oportuno é trazer à baila o conceito de agravos fornecido pelo processualista gaúcho Ovídio A. Baptista da Silva:

Os agravos são recursos de ascendência exclusivamente lusitana, que não encontram similar em outros sistemas contemporâneos. Eles tiveram origem no direito Medieval Português, como um instrumento formado pela prática judiciária para contrabalançar a determinação então vigente que vedava o recurso de apelação das decisões interlocutórias.12

Na espécie, será abordado agravo nas seguintes formas: o de instrumento e o interno ou regimental, dada a falta de interesse em sua modalidade retida para os fins deste trabalho.

Conceitualmente pode-se dizer que o Agravo é um gênero de recurso, interposto, a rigor, por três formas: o agravo de instrumento, o retido e o interno ou regimental.

As duas primeiras formas estão reguladas pelos artigos 522 a 529 do CPC e são cabíveis contra as decisões interlocutórias de 1º grau (CPC, art. 162, § 2º). Já o agravo interno tem cabimento contra decisões prolatadas por relatores dos recursos dos Tribunais, em que eles são autorizados a preferir decisões monocráticas (CPC art., 532, 545 e 557 § único).

3.2 Do Pedido De Suspensão

Por sua vez, a suspensão de segurança é um instrumento posto à disposição da administração pública para proteção do interesse público, quando este estiver ameaçado por liminar ou decisão definitiva proferida na ação mandamental.

Consoante escólio de Ana Lúcia Celeno Coutinho, referida expressão comporta duas acepções: "em sentido estrito, corresponderia à suspensão da execução da sentença proferida em Mandado de Segurança, enquanto que numa acepção mais abrangente engloba também, a suspensão da execução da liminar em Mandado de Segurança".13

Acrescente-se, outrossim, que a suspensão não se confunde com a revogação. Nesta, a autoridade judiciária que revoga, extinguindo a liminar, é a mesma que pode concedê-la. Já na suspensão, a liminar, que é concedida por autoridade judiciária diferente, não é extinta, ela simplesmente tem sua eficácia paralisada pelo presidente do tribunal a quem couber conhecer do recurso.

4. NATUREZA JURÍDICA

De importância ímpar é a determinação da natureza jurídica de um instituto, pois é fundamental para sua compreensão, além de fixar-lhe o lugar exato no sistema de direito. Dessa forma, se fará uma breve análise da natureza jurídica dos institutos em estudo, para o melhor desenvolvimento da tese ora esposada.

4.1 DO AGRAVO

O agravo, como é sabido, é um recurso. A natureza jurídica do recurso tem sido muito discutida em sede doutrinária, dividindo-se em duas principais correntes: a) o recurso é uma ação autônoma relativamente àquela que lhe deu origem, ação essa de natureza constitutiva; b) o recurso é continuação do


12 In Curso de Processo Civil, 5. ed., v. 6, RT, 200, p. 440.

13 In Mandado de segurança, suspensão no direito brasileiro, p.93


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exercício do direito de ação, em fase posterior do procedimento. O entendimento majoritário alberga a segunda corrente.

Na precisa lição de Nelson Nery Júnior, o entendimento majoritário tanto na doutrina brasileira como na alemã e italiana, é de que "o recurso é uma continuação, em regra no juízo hierarquicamente superior, do procedimento de primeiro grau, se consubstanciando como uma modalidade, em continuação, do exercício do direito de ação".14

4.2 DO PEDIDO DE SUSPENSÃO

Já a natureza jurídica do pedido de suspensão de execução de decisão judicial é por demais controvertida na doutrina e jurisprudência, conforme se passa a demonstrar as principais correntes.

4.2.1 NATUREZA ADMINISTRATIVA

Parte da doutrina assevera ser o pedido de suspensão de natureza administrativa.

Othon Sidou foi o primeiro a dizer que esse instituto era um incidente extraprocessual, produto do poder de polícia do Presidente do Tribunal, cujo objetivo é a aplicação do princípio da supremacia da Administração, em detrimento do interesse privado em face do interesse público.15

Nessa mesma trilha, manifesta-se o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Francesco Conte16, ao considerar o pedido de suspensão como um ato de caráter administrativo.

Também, Ellen Gracie Northfleet17, entende ser administrativa a natureza do pedido de suspensão, por não ser examinado o mérito da ação nem seu aspecto jurídico, sendo assim, um ato discricionário, já que o referido pedido é avaliado de acordo com a conveniência e oportunidade do presidente do tribunal a quem cabe conhecer do recurso.

Igual sentir é o posicionamento do professor e Procurador do Estado Fluminense, Diogo de Figueiredo Neto, ao dizer que o pedido de suspensão não é recurso, nem no sentido formal, porque o presidente do tribunal não é instância recursal; nem no aspecto material, vez que a autoridade apontada age de forma discricionária, não se manifestando sobre a legalidade do processo ou da decisão.18

Com o devido respeito, esses posicionamentos conquanto sejam expostos por tão ilustres doutrinadores, não convencem já que, administração e jurisdição são institutos distintos, não obstante ambos aplicarem a lei.

É oportuno, nesse ponto, destacar as principais diferenças entre eles.

A primeira, dá-se em razão da teoria da substitutividade.19 Na jurisdição o Estado substitui a atividade das partes em litígio, vez que no passado a autotutela era regra, atualmente, porém, ela é proibida no ordenamento jurídico. Já na função administrativa não existe substitutividade, porquanto se está exercendo uma função que é originária do Estado.20

A segunda, consiste na imparcialidade. Esta se encontra presente na jurisdição. O magistrado, ao ser provocado, julga a demanda de forma imparcial, por não ter ele qualquer interesse no deslinde da causa.


14 Princípios fundamentais Teoria geral dos recursos, p. 194.

15 Apud Rodrigues, 2000, p. 95.

16 Suspensão de execução de medidas liminares e sentenças contra o Poder Público, Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, p. 113.

17 Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ano 1, nº 2, p. 169.

18 Curso de Direito Administrativo, p. 464.

19 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. 1, p. 11-17.

20 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, v. 1, p. 70.


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Contudo, na função administrativa, que aplica o direito por iniciativa própria, permeia a parcialidade, vez que o Estado, ao mesmo tempo, julga e é parte, tendo, desse modo, interesse direto no resultado da atividade por ele exercida.

Além dessas duas principais diferenças, cita-se na doutrina, ainda, o fato do ato administrativo ser revogável ou modificável a qualquer tempo21, não sendo definitivo, pois o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional acerca da lesão ou ameaça a direitos (CRFB, art. 5º, XXXV), "impede que o Estado resolva definitivamente um litígio com particulares, pelas vias administrativas"22, no que concerne ao aspecto da legalidade. Na atividade jurisdicional, no entanto, existe o caráter de definitividade, isto porque, ao ser prestada a tutela jurisdicional e ocorrendo o trânsito em julgado, a decisão proferida torna-se imutável.

Para que não pairem dúvidas sobre esse ponto, convém, aqui, assinalar as ponderações feitas por Marcelo Abelha Rodrigues, ao asseverar que se essa tese fosse aceita estaria se admitindo que uma decisão administrativa teria força o suficiente para se sobrepor a uma decisão judicial, retirando-lhe, inclusive, a eficácia, isto é, uma decisão judicial estaria sendo descumprida por uma decisão administrativa.

Aduz ele, outrossim, que se o pedido de suspensão fosse medida administrativa, não poderia ele ser desafiado por um recurso de natureza processual, destinado a um órgão colegiado cuja decisão tem caráter jurisdicional. Arrematando, alega que o recurso a ser interposto não seria o agravo, como dispõe a lei, mas sim, o mandado de segurança.23

Destarte, à luz desses argumentos, entende-se que o fato do pedido de suspensão proteger o interesse público24 não implica que sua natureza seja administrativa.

4.2.2 NATUREZA RECURSAL

Existem ainda aqueles que defendem a natureza recursal do pedido de suspensão. Defensor dessa linha de pensar é José dos Santos Carvalho Filho, que assim preleciona:

Ocorre que o atendimento do pedido, determinando a suspensão da execução da liminar, constitui o reconhecimento de que o ato impugnado não merece ter inteira eficácia. Se o Presidente do Tribunal não chega a cassar o ato, não é menos certo que sua decisão o atinge frontalmente, pois que lhe retira a idoneidade de produzir efeitos jurídicos. Há, por conseguinte, um interesse revisional do postulante, com o que a medida passa a guardar semelhança com os recursos em geral.

Em face desse óbvio hibridismo, parece-nos cabível caracterizar a medida como sendo requerimento de natureza recursal, pois que assim estaremos voltados para os dois aspectos que nela estão presentes: o requerimento e o recurso.25

Não deve prosperar referido entendimento, pois o termo recurso, segundo lição de Moacyr Amaral Santos, é "o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação". E no pedido feito ao presidente do Tribunal para a suspensão da liminar ou da sentença concessiva de segurança, a pessoa de direito público não tem o objetivo de pedir a reforma ou anulação de decisum. O que se pede é apenas que se suspendam os efeitos do pronunciamento judicial.26

21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, p. 198.

22 MARQUES, Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Atualizado por Vilson R. Alves, p. 150.

23 Suspensão de segurança, p. 95-96.

24 É importante observar que o interesse público não se confunde com o interesse estatal. Nesse sentido conferir: Renato Alexi, Celso Antonio Bandeira de Mello, Cristina Gutiérrez, Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público, p. 50; STF.

25 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigo. Rio de Janeiro, 1995, p. 280.

26 BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, 1985, p. 229.


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Ora, o pedido de suspensão não se configura como recurso, por faltar-lhe inúmeros aspectos referentes a este instituto, quais sejam: ausência de tempestividade, preparo, tipicidade e devolução da decisão. Seu objetivo é a obtenção da sustação da eficácia da decisão concedida, em face da lesão ao interesse público.

Como também, destaca Marcelo Abelha Rodrigues, a obtenção da execução da decisão recorrida não é desiderato dos recursos, não só porque o efeito suspensivo decorre da recorribilidade recursal e não propriamente dos recursos, mas também, porque se assim fosse entendido, todos recursos desprovidos desse efeito perderiam sua natureza jurídica.

Obtempere-se, também, que o recurso deve ser interposto no prazo legal, que é peremptório. Caso contrário, dá-se à preclusão do direito de se exercer a pretensão recursal. A suspensão, no entanto, não se sujeita ao prazo.27

Barbosa Moreira pondera, ainda, que a suspensão por ato do Presidente não tem a natureza de recurso nem é sucedâneo de recurso. O Presidente, ao acolher o requerimento, cinge-se a suspender os efeitos da decisão concessiva; nem reforma, nem cassa: ela subsiste, embora tolhida na sua eficácia.28

Diante dos firmes argumentos esposados, forçoso é se reconhecer que a suspensão não tem natureza recursal.

4.2.3 NATUREZA CAUTELAR

Outra tese defendida é a natureza cautelar do pedido de suspensão, em face da ocorrência da instrumentalidade e da provisoriedade, características das medidas cautelares.

Segundo essa tese, tem a Suspensão de Execução de Decisão Judicial um caráter instrumental, porque somente é útil e necessária com referência à suspensão da medida e enquanto não for conhecida a matéria em seu sentido amplo, pelo órgão do mesmo tribunal, como também evidente é o seu caráter provisório, porque o provimento presidencial subsistirá enquanto não sobrevier a decisão do julgamento do recurso.

Athos Gusmão Carneiro29, Ana Luísa Celino Coutinho30, Edílson Pereira Nobre Júnior31 e Galeno Lacerda filiam-se a esta corrente, asseverando este último autor que:

"A suspensão pelo Presidente do Supremo, para evitar grave lesão à ordem, à saúde e à segurança, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, da execução da liminar ou da decisão concessiva de mandado de segurança proferida em única ou última instância pelos tribunais locais ou federais (art. 297 do RI e art. 4º da Lei nº 4.348, de 26.06.64), constitui, indiscutivelmente, providência de natureza cautelar).32

Os mestres do direito italiano, Carnelutti, Chiovenda e Calamandrei há muito já afirmavam a natureza cautelar da decisão suspensiva, não obstante destacarem as suas peculiaridades.33

A natureza jurídica da suspensão é cautelar34, cabendo aqui destacar o pensamento inovador do Ministro Sepúlveda Pertence quando assevera que a natureza da suspensão de segurança é uma contracautela35, o que não retira a sua natureza cautelar, como observa Cristina Gutiérrez.36


27 A Lei 4.348/64 silencia quanto ao prazo para se requerer o pedido de suspensão.

28 BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil. 1985, p. 229.

29 Das Liminares nos Mandados de Segurança. Livro de Estudos Jurídicos, p. 277.

30 Mandado de segurança, suspensão do Direito Brasileiro, p. 105.

31 Algumas considerações sobre medida liminar em mandado de segurança, p. 33-54.

32 LACERDA, Comentários ao Código de Processo Civil, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. 8, p. 54.

33 Apud Cristina Gutiérrez, suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público, p. 57.

34 Suspensão de Segurança número 228, rel. Min. Rafael Mayer.

35 AGRSS número 846-3 DF.

36 Suspensão de liminar e de sentença na tutela do interesse público, p. 56.


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4.2.4 Natureza de Incidente Processual

Marcelo Abelha Rodrigues, após proceder profundo estudo sobre a suspensão de segurança, é bastante categórico ao afirmar que a natureza do instituto não é recurso nem ação. Trata-se, em verdade, de "típico instituto representante dos incidentes processuais, que se manifesta por intermédio de uma questão incidente".37

Adverte o autor que esse instituto processual deve ser identificado pela sua gênese em si mesma e não pela sua finalidade ou pela concessão da medida dada pelo Presidente do Tribunal, ao rebater o posicionamento de Ana Luísa Celino Coutinho, que entende ser cautelar a natureza jurídica da suspensão, semelhante a da liminar que terá sua eficácia suspensa.

Conclui o autor que o pedido de suspensão de execução de decisão é típico incidente processual voluntário, não suspensivo do processo que se manifesta por intermédio de uma questão que surge sobre o processo em curso. É acessório e secundário, por conseguinte, depende da existência do processo principal.

5. DA CONSTITUCIONALIDADE DA SUSPENSÃO

Há autores que sustentam ser inconstitucional o pedido de suspensão de decisão judicial.

Sérgio Ferraz, por exemplo, assevera que esse pedido é inconstitucional por ferir o devido processo legal. A violação se daria em virtude do presidente do tribunal fazer uma verdadeira revisão da decisão a quo e pela decisão a ser proferida por ele não se sujeitar ao crivo do contraditório. Outrossim, acrescenta que na prática, as decisões concedidas em sede de suspensão não explicitam claramente os interesses públicos que fundamentam o pedido.38

Entendendo que há ofensa ao princípio do contraditório, posiciona-se Aristóteles Atheniense quando diz que, ao determinar a lei 4.348/64 que a suspensão seja feita através de despacho fundamentado, o presidente deverá obrigatoriamente ouvir a outra parte. Essa possibilidade, segundo o autor, é prevista, mas não obrigatória no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

No caso de não existir essa previsão nos Regimentos Internos dos tribunais inferiores ou tratando-se do Excelso Pretório, onde há previsão, mas se não for dada a oportunidade da outra parte ser ouvida, diz Aristóteles Atheniense que será impraticável o pedido de suspensão. 39

Assinala Lúcia Valle Figueiredo, por seu turno, que o instituto em exame só será inconstitucional quando ocorrer uso abusivo, ou seja, a simples alegação, sem qualquer justificativa para a sua concessão.40

Os argumentos lançados por esses autores supramencionados são rebatidos com muita proficiência, por aqueles que defendem a constitucionalidade do pedido de suspensão.

Betina Rizzato Lara41 preleciona-se que, do mesmo modo como ocorre na concessão da liminar ou na sua revogação, o contraditório também é dispensado no pedido de suspensão, caso haja risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao ente público.

Em verdade, o contraditório, segundo Cristina Gutiérrez, fica apenas diferido para fase posterior.

Cássio Scarpinella Bueno assevera que deverá haver realização do contraditório. Todavia, quando houver prejuízo de monta e a ouvida da outra parte possa tornar inócua a medida a ser deferida, legítima será a decisão do presidente ao conceder a liminar de suspensão. Remarca ele que esta "postergação" do


37 Suspensão de segurança, p. 92.

38 Da liminar em mandado de segurança, In cinqüenta anos de mandado de segurança, p. 15.

39 A suspensão da liminar em mandado de segurança, in Mandado de segurança e de injunção, p. 243-254.

40 A liminar em mandado de segurança, in Curso de mandado de segurança, p. 111.

41 Liminares no processo civil, p. 143-144.


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estabelecimento do contraditório, substancialmente, nada difere da própria juridicidade da concessão de liminares inaudita altera pars. No entanto, sublinha que é importante que seja ressaltado na decisão proferida as razões pelas quais a outra parte não foi ouvida previamente.

No que concerne ao argumento da suspensão ser uma revisão antecipada, esta se justifica dado o direito individual submeter-se ao interesse coletivo que se encontra na iminência de sofrer danos. "É necessário, assim, que antes que ocorra a revisão pelos caminhos normais, a execução da liminar seja sustada"42.

Quanto aos abusos mencionados, esses devem ser evitados. Para tanto, é só exigir a devida demonstração de que o interesse público esteja na iminência ou sofrendo lesão grave, que deverá ser comprovada, proferindo-se decisão devidamente fundamentada43, conforme estabelece a Carta Magna em seu art. 93, XI e a Lei nº 4.348/64, em seu art. 4o.

Ademais, num Estado Democrático de Direito a motivação se impõe como um dever. Logo, não deve o pedido de suspensão ser considerado inconstitucional por falta de fundamentação. Esta sim, é uma exigência constitucional que precisa ser cumprida.44

É de bom alvitre se observar, por outra margem, que o interesse público defendido na medida de suspensão é o primário, que engloba o direito difuso, coletivo e social, conforme magistério de Hugo Nigro Mazzilli, e não o interesse meramente estatal45, necessitando, assim como os demais direito, de mecanismo célere e eficaz para evitar lesão.

Reforçando ainda a tese da constitucionalidade do instituto, Michel Temer defende que ele tem supedâneo no princípio da isonomia, previsto na Carta da República Federativa do Brasil, em seu art. 5o, caput, adotado pela lei processual civil como princípio da igualdade processual.

A igualdade, segundo o mencionado autor, consiste no fato de que, assim como o legislador infraconstitucional instituiu o mandado de segurança para proteger direito individual ou coletivo líquido e certo, em face da Administração, facultou paralelamente a esta, a possibilidade de fazer uso do pedido de suspensão para retirar a eficácia de execução de decisão judicial, concedida em sede de segurança, até que ocorra o trânsito em julgado dela.46

Pondera, por outro ângulo, Arruda Alvim, que o pedido de suspensão retrata a aplicação concreta do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pois muito embora haja direito líquido e certo do impetrante, esse direito, entretanto, terá sua eficácia cessada quando se verifica, através de provas, a possibilidade de danos de difícil reparação ao ente público.47

Marcelo Abelha Rodrigues, por sua vez, afirma que com a mudança de paradigma do Estado, que deixou de ser liberal para ser social, outros valores precisaram ser revistos, inclusive a própria justificativa do princípio da supremacia do interesse público. Desse modo, com a formação dos interesses difusos, tornou-se necessário que o Estado e a comunidade passassem a protegê-los e a preservá-los primordialmente.

Por esse motivo, quando houver aparente colisão entre os direitos fundamentais e os interesses difusos, os primeiros, inevitavelmente terão restrito o seu exercício para se salvaguardar os segundos, os quais são especialmente protegidos pela Lei Maior e a ordem constitucional.


42 Idem, p. 144.

43 Barbosa Moreira na vigência da exceção já chamava à atenção para a necessidade das decisões serem fundamentadas. Por sua sugestão, essa norma foi consagrada na vigente Carta Política.

44 Sobre o abuso de liminares e a falta de fundamentação, conferir as excelentes observações feitas por Luiz Guilherme Marinoni, in Efetividade do processo e a tutela de Urgência, p. 62-63.

45 Nesse sentido: Cristina Gutiérrez

46 Mandado de segurança. Cabimento da medida liminar após sua denegação, p. 72-78.

47 Revogação da medida liminar em mandado de segurança, RP 14-15/15-30.


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Aplicando esses argumentos ao pedido de suspensão de execução de decisão judicial, salienta Marcelo Abelha Rodrigues que o princípio da supremacia da administração deverá continuar existindo,

pois é dever do Estado por via de seus entes de direito público e do próprio Ministério Público, como um dos co-responsáveis na tutela desses direitos, a busca pela obediência às normas relativas aos interesses mencionados nos dispositivos legais que cuidam do incidente de suspensão de execução de decisão judicial, já que são interesses sociais e de ordem pública.48

Destaca o aludido autor, com inteira razão, que isso não significa o detrimento do interesse privado em face do interesse público, cujo posicionamento se pede vênia para se transcrever, por ser oportuno e esclarecedor:

"Ademais, isso não quer dizer que o interesse privado é inconvivível com o interesse coletivo, até porque se digo que aquele está limitado pelas arestas deste último, é porque, então, admitido a convivência de ambos num mesmo momento histórico e social. Aliás, reside exatamente aí o ponto nodal da questão: ao se pretender suspender a execução de uma decisão, não se verifica o acerto ou desacerto do convencimento do magistrado, qual seja, a legalidade ou ilegalidade da referida decisão, nem muito menos significa `sacrificar' o interesse individual, apesar de esta ser a expressão rotineiramente utilizada, mas, contrario sensu, quer-se apenas evitar que o interesse coletivo possa ser prejudicado ou lesionado enquanto não se tem a certeza definitiva da afirmação de direito daquele em favor de quem foi concedida a decisão cuja eficácia pretende ser temporariamente suspensa.

Assim, caso ao final se verifique que a afirmação do demandante era realmente abraçada pelo direito, decerto que não poderá ser "sacrificado" em prol do interesse público, não só porque sobre ele paira a certeza da coisa julgada, mas ainda porque com o interesse público deve conviver de modo pacífico e harmonioso, já que este foi um dos desideratos alcançados com a coisa julgada.

Então, partindo deste ponto, a suposta inconstitucionalidade estaria, pois, na impossibilidade de se obter de modo célere e efetivo, nesses casos em que é possível a medida suspensiva, a obtenção imediata, porém provisória, do próprio mérito pretendido. Aí sim, pensamos é que há uma balança de valor criada pelo legislador, e no caso concreto é que deve ser sopesado de modo a assegurar a mais completa proteção preventiva do interesse público, cuja lesão seria infinitamente de pior reparação, em sacrifício da afirmação do direito de menor dimensão"49.

Acrescenta, outrossim, o referido autor, que é a própria Lei Fundamental que assegura a constitucionalidade do pedido de suspensão de execução de decisão judicial, ao assegurar proteção dos direitos individuais, coletivos e sociais, bem como ao prever a ampla defesa e, notadamente, ao proteger o direito contra a ameaça de lesão, que é aplicável no caso do instituto em estudo. Já Cássio Scarpinella Bueno50, ao enfrentar a questão, aduz que pelas razões expostas pela maioria da doutrina, motivando a publicação de dispositivos legais e regimentais, não há como se macular de inconstitucionalidade o art. 4o da Lei número 4.348/64.

Ressalta, contudo, que para se legitimar o pedido de suspensão, é necessário se criar uma "interpretação conforme" do preceptivo legal acima mencionado com os valores constitucionais, pois, além dos casos nele elencados, é necessário se demonstrar a injuridicidade (ilegitimidade) do ato judicial praticado em favor do impetrante, em que pese, nesse aspecto, ser minoritário o seu entendimento na doutrina. Isto


48 Suspensão de segurança, p. 105.

49 Suspensão de segurança, p.106-107.

50 Liminar em mandado de segurança, p. 213 - 228.


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é, segundo o seu pensar, devem ser invocadas as razões jurídicas e não eminentemente ou apenas políticas (ou metajurídicas), previstas naquele artigo, haja vista inexistir interesse público à margem da lei.

Destaca, também, que o Excelso Pretório51 vem decidindo nesse diapasão, compatibilizando dessa maneira, o pedido de suspensão com a ordem constitucional e os postulados do Estado de Direito.52

A posição que se adota em torno da temática é a de que o pedido de suspensão de decisão judicial, sem dúvida alguma, não tem qualquer mácula de inconstitucionalidade por estar gizado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, inserto na Constituição da República, em seu art. 1o, parágrafo único, que tem o povo como principal depositário do poder. Segundo esse princípio o Estado Democrático não deve servir apenas algumas classes sociais, mas, primordialmente, proporcionar o bem estar de toda coletividade53, ainda que para isso, tenha que se limitar a outros interesses.

É importante observar ainda, que mesmo havendo restrição, o próprio direito individual estará protegido, numa dimensão objetiva, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, segundo Willis Santiago Guerra Filho.54

6. DA RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS EM MANDADO DE SEGURANÇA

São poucas as decisões interlocutórias55 no mandado de segurança. A principal delas é a decisão que concede ou nega liminar.

Na sistemática do código vigente, o recurso manejável contra a decisão interlocutória de juiz de primeiro grau é o agravo de instrumento.

6.1 CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

A interposição desse recurso no mandado de segurança, todavia, gera grande controvérsia, dividindo a doutrina e a jurisprudência em duas correntes: a predominante, que é contrária ao cabimento do recurso, e a que é favorável.

A doutrina que é contra a recorribilidade das decisões interlocutórias em sede de mandado de segurança, sustenta os seguintes argumentos: (a) despacho, no caso, seria de mero expediente, portanto, irrecorrível; (b) a decisão que concede ou nega liminar não está sujeita ao recurso por falta de previsão na lei do mandado de segurança, não se aplicando supletivamente a sistemática recursal do código de processo civil, em virtude daquela lei de caráter especial, tem restringido à aplicação do aludido código; (c) incompatibilidade intrínseca com o mandado de segurança devido a celeridade do seu procedimento; (d) a interposição do agravo ser inócua e (e) no caso do tribunal reformar a decisão de primeiro grau, concedendo a liminar e ao final, se a decisão do mandado fosse denegatória, o juiz de primeiro grau estaria revogando a decisão concedida por um órgão hierarquicamente superior.

Esses argumentos, porém, com devida vênia, não convencem.

Primeiro, não prospera o entendimento de que despacho que denega ou concede a liminar é mero despacho de expediente e tão pouco seja ato discricionário do juiz, visto que, sem dúvida alguma, constitui um poder-dever deferir o pedido, se presentes os seus pressupostos legais, ou de inferí-la, se inexistirem tais pressupostos.


51 AgRg em SS 1.149-9/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence. RT 742/162.

52 BUENO, Cássio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança. p. 226-228.

53 PEIXINHO, Manoel Messias. Princípios Constitucionais da Administração Pública, in Princípios da constituição de 1988, p. 459.

54 Processo constitucional e direitos fundamentais, p. 64. Na mesma linha: Marcelo Abelha Rodrigues, Suspensão de segurança, p. 101.

55 CPC, art. 162, parágrafo 2o.


Concomitância de Interposição de Agravo e Pedido de Suspensão pelo Ente Público


Ratificando essa tese é a posição de diversos doutrinadores de escol, dentre eles, Lúcia Valle de Figueiredo, quando assevera que a concessão de liminar não está adstrita a discricionariedade judicial, tendo em vista que "exsurgirá da situação posta ao magistrado, presentes seus pressupostos, tais sejam, relevância do fundamento e perigo da demora e sua inocuidade se concedida a ordem ao final, o magistrado só dispõe de uma possibilidade: concedê-la."

Segundo, a assertiva de que a Lei do mandado de segurança não alberga a figura recursal do agravo não prospera. Barbosa Moreira assevera que o fato do legislador citar alguns artigos demonstra apenas sua preocupação em destacar algumas partes relevantes, não significando, porém, que em razão disso, deduza-se que o código de processo não é aplicável.

À guisa de ilustração, diz o renomado autor que no atinente ao cabimento de recurso não há na lei do mandado de segurança nenhuma referência com relação ao cabimento de embargos de declaração. Entretanto, não seria razoável se concluir pela inexistência de recurso contra a decisão que fosse omissa, obscura e contraditória, pois seria uma interpretação absurda.56 Desse modo, o sistema recursal do Código de Processo Civil aplica-se supletivamente à ação de mandado de segurança.

Outra não é a visão de Eduardo Ribeiro de Oliveira quando preleciona, de forma categórica, que sem a aplicação supletiva do Código de Processo Civil, não seria possível sequer processar o mandado de segurança, pois a Lei nº 1.533/51 nada dispõe sobre capacidade processual dos procuradores, das nulidades dos requisitos da sentença, dentre outros, que são necessários para o desenvolvimento de um processo.57

Terceiro, no que concerne ao procedimento célere do mandado de segurança ser incompatível com o agravo, este não resiste ao argumento sustentado por Hugo Machado de Brito quando afirma que a celeridade do rito existe para beneficiar o impetrante. Logo, não pode ser justamente ela o obstáculo para impedir o recurso por ele interposto, "e que por isso mesmo a ele interessa"58.

Impende ressaltar, ainda, os argumentos de Eduardo Arruda Alvim que se expressa no sentido de não haver incompatibilidade entre o procedimento da lei do mandado de segurança e o código de processo, haja vista que atualmente o agravo de instrumento se processa em autos apartados, interposto diretamente no tribunal que tem competência para julgá-lo.

Quarto, adiciona o citado autor, de outro lado, que não é científico falar na inocuidade do recurso de agravo de instrumento, vez que com o advento da Lei nº 9.139/95, é possível a suspensão da decisão guerreada em seu próprio bojo.59

Quinto, Eduardo Ribeiro refuta o argumento demonstrando que os pressupostos para a concessão da liminar não se confundem com os exigíveis para o julgamento de mérito do mandado de segurança. Ademais, a liminar é dada no estado em que o processo se encontra, para evitar que a decisão final seja ineficaz. Se ao apreciar o mérito o juiz denega a segurança, cassando a liminar, não estará ele quebrando a hierarquia, pois a cassação é uma decorrência natural do processo.60 Some-se, outrossim, que se o tribunal pode reformar a decisão final de primeiro grau, de igual forma, pode reformar a decisão interlocutória.

De relevo destacar que a jurisprudência dominante, embora seja contrária ao cabimento do recurso em estudo, vem evoluindo no seu entendimento, passando admitir a recorribilidade no mandado de segurança,


56 Temas de direito processual, sexta série, p. 221-238.

57 Recursos em mandado de segurança, in Mandado de segurança e de injunção, p. 277-290.

58 Mandado de segurança em matéria tributária, p. 147.

59 Mandado de segurança no direito tributário, p. 332-337.

60 Recursos em mandado de segurança, in Mandado de segurança e de injunção. Coord. Sálvio de F. Teixeira, p. 277-290.


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sobretudo com as alterações trazidas ao agravo pela Lei nº 9.139/95. Exemplo disso são as decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça61.

Cristalino, restou, portanto, a recorribilidade da decisão interlocutória em sede de mandado de segurança, sendo, por conseguinte, cabível o agravo de instrumento.

6.2 DO CABIMENTO DO AGRAVO INTERNO OU REGIMENTAL

Questão também polêmica é a interposição de agravo regimental da decisão interlocutória do relator ou do presidente, nos casos de mandado de segurança de competência originária de tribunal, no tocante à concessão ou denegação de liminar.

No atinente à decisão que denega a liminar, é majoritária a jurisprudência no sentido de não admitir a interposição de agravo regimental. O STF, por exemplo, em decisão proferida antes da atual Lei Maior, não vem admitindo a interposição do recurso. Permite somente o pedido de suspensão. A interposição do agravo, segundo ele, é uma usurpação da competência do presidente do STF, ou do STJ, conforme o caso, com amparo no art. 4o da Lei 4.348/64 e art. 25 da Lei nº 8.038/90.62

Contrapondo-se ao posicionamento do Excelso Pretório e inovando sua jurisprudência, a corte especial do STJ, em duas recentes decisões63, decidiu pelo cabimento do agravo, interposto por ente público, e não pelo pedido da suspensão, dada a inexistência de seus requisitos. Na reclamação ficou assinalado que a interposição do recurso de agravo, no caso, não usurpava a competência do presidente prevista no art. 4º, da Lei nº 8.437/92.

Perfilha-se do acertado entendimento exarado pelo STJ. Realmente, a finalidade da suspensão difere completamente do recurso de agravo regimental interposto. Naquela, pede-se a suspensão da eficácia da execução de decisão judicial que esteja ocasionando ou preste à causar lesão grave ao interesse público primário, enquanto no recurso o que se requer é a reforma por injuricidade da decisão hostilizada.

Dessa maneira, o que o presidente vai aferir na suspensão é se está configurado a lesão ao interesse público, caso a decisão impugnada seja executada. Se ele adentrar no mérito da questão reformando ou invalidando a decisão, tratando-a como se recurso fosse, aí, sim, ele é quem estará usurpando a competência do colegiado, exorbitando, desse modo, dos limites de sua competência.

Nesse compasso, decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

O requerente somente pode fundar seu pedido de suspensão dos efeitos da liminar concedida em mandado de segurança, nas causas enumeradas na Lei nº 4.348/64, sendo vedado ao presidente do tribunal o reexame das razões de decidir do provimento judicial que deferiu essa liminar. O pedido deve ser apenas de suspensão dos efeitos da liminar, que não pode ser revogada ou modificada, sob pena de julgamento ultra petita.64

De igual forma, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça.65

De outra parte, não pode o colegiado, no julgamento do agravo, ao invés de analisar as razões de legalidade ou ilegalidade da decisão judicial guerreada, aprecia apenas o fato de que a execução acarretará


61 Resp 299.433-RJ, Rel. Min. Sálvio de F. Teixeira. DJ 04/02/2002; Resp 213.491-RJ, rel. Min. Francisco P. Martins, 2a T.,DJ 19/06/2000; Resp 213.716/RJ, rel. Min. Garcia Vieira, 1a T., DJ 20/09/99. Resp 172.772-SC, rel. Min. Edson Vidigal, 5a T,DJ 29/03/99; ROMS 8.516-RS, rel. Min. Adhemar Maciel, DJ 08/09/97, RMS 5.854-PE; SS 1.167/BA; SS 6.693/SP e SS 6.012/SP.

62 Rcl 228-4, rel. Min. Rafael Mayer. No corpo do acórdão dessa decisão é citado o acórdão publicado na RTJ 119/469, relatado pelo Min. Moreira Alves, que é considerado como verdadeiro leading case da temática.

63 Rcl 341/AM; Resp 120.530/SP

64 1o . TACivSP, pleno, SS 48.203-1AgRg, voto do juiz Donaldo Armelin, apud. Marcelo Abelha Rodrigues

65 AgRg na SS 524-0-PE, rel. Min. Bueno de Souza, Corte Especial, unânime, DJ 06.05.97; AgRg na SS 523-0-RS, rel. Min. Bueno de Souza, Corte Especial, DJ 14.04.97.


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dano potencial a um dos pressupostos que embasam o requerimento de suspensão, pois, nesse caso, estaria usurpando a competência do presidente do tribunal a quem caber julgar o recurso principal.

Nessa trilha posiciona-se, com precisão, Eduardo Ribeiro:

usurpação de competência só haveria se o colegiado suspende-se a execução do ato do relator para evitar lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas". A revisão poderá dar-se por motivos inteiramente diversos, entendendo não ser relevante o fundamento do pedido ou inexistir risco de ineficácia da medida, se afinal concedida.66

E, em arremate, conclui pelo cabimento do agravo regimental para reformar decisão concessiva de liminar.67

Outra não é a visão de Athos Gusmão Carneiro:

c) pode acontecer, todavia, que da concessão liminar da segurança não decora a probabilidade das lesões graves já mencionadas, mas que todavia, na espécie a liminar não devesse ter sido concedida, porque inexistentes seus pressupostos, ou seja, por não ocorrer a aparência do bom direito, ou perigo de dano irreversível; em tais casos, nada mais plausível, a nosso sentir, do que a admissão do agravo regimental dirigido ao órgão competente, no âmbito do tribunal para o julgamento da própria ação de segurança.68

Ainda no que concerne ao cabimento do agravo, Celso Agrícola Barbi, sustenta que "não é possível considerar irrecorrível a decisão, porque ela trancaria o acesso do impetrante ao tribunal, e, portanto, a defesa do seu direito".69

Por sua vez, ressalta Barbosa Moreira que nenhuma decisão do relator, nas funções delegadas que exerce, pode ser preclusa com relação ao colegiado, que tem competência para reexaminá-la sem qualquer limitação no que concerne ao juízo feito antecipadamente pelo relator, ou com relação a qualquer outro aspecto. Cabe registrar, também, o alerta feito por Calmon de Passos ao defender que se a liminar for irrecorrível estará se concedendo ao relator uma competência que não lhe foi delegada, que não tem espeque na lei, nem possui qualquer justificativa na ciência jurídica, ou na técnica jurídica. Sendo, cabível, portanto, o cabimento de agravo regimental, sobretudo em matéria de liminar.

Por outra margem, não se pode olvidar que toda interpretação tem que está em conformidade com os ditames constitucionais. E a Carta Magna é incisiva ao dispor em seu art. 5o, inciso XXV, que "a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", garantido, também, a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes, no inciso LV.

Desse modo, não estando presente o interesse público para a propositura do pedido de suspensão, cabível é o agravo é regimental.

7. A CONCOMITÂNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO E PEDIDO DE SUSPENSÃO PELO ENTE PÚBLICO

Por muito tempo defendeu-se na doutrina que o pedido de suspensão era o único instrumento processual cabível para suspender a execução de decisão judicial em sede de mandado de segurança.

Esse entendimento prevalecia em virtude de realmente não existir um recurso com efeito suspensivo para evitar tal execução. Tanto é que se ingressava com agravo de instrumento e, simultaneamente,


66 In Mandados de segurança e injunção, coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira, p.227 e seguintes.

67 Idem.

68 Apud Cristina Gutierrez, Suspensão de liminar e sentença na tutela do interesse público

69 Do mandado de segurança, p. 231.


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impetrava-se mandado de segurança. Este, de forma anômola, para imprimir efeito suspensivo a decisão hostilizada, já que inexistia previsão deste efeito no recurso de agravo.

Entrementes, após o advento da Lei nº 9.139/95, que alterou as normas relativas ao agravo de instrumento, tornando possível o efeito suspensivo, forçoso é se proceder a revisitação da matéria.

Nessa trilha, Marcelo Abelha Rodrigues sustenta, com inteira razão, que é perfeitamente possível o ente público interpor, concomitantemente, o recurso de agravo e o pedido de suspensão, pois, além de serem institutos distintos, um não depende do outro.

De fato, conquanto ambos pretendam a suspensão da decisão judicial, diferenciam-se pela finalidade e fundamentações. No agravo se requer a suspensão de forma acessória, pois o objetivo é a reforma da decisão judicial por ela conter vícios de atividade ou juízo, enquanto que na suspensão é para evitar dano aos interesses públicos por ela tutelados.

Divergem, outrossim, no atinente à natureza jurídica: o agravo é recurso, a suspensão, não.Também, no tocante à competência. O agravo é julgado pelo juiz monocrático ou tribunal, já a suspensão, pelo presidente do Tribunal.

No que se refere à legitimidade, o agravo pode ser interposto pelas partes, a suspensão, pelo art.4o da Lei nº 4.348/64, que atribui legitimidade a pessoa de direito público interessada, em que pese a doutrina e jurisprudência mais recente incluir outros legitimados.

Há previsão de prazo para a interposição do agravo, para a suspensão não.

Um instituto não depende do outro para ser proposto.

Constata-se, assim, a inexistência de incompatibilidade entre os institutos aqui abordados, os quais podem ser interpostos simultaneamente para impugnar a mesma decisão.

Essa viabilidade, inclusive, foi inserida no art. 4o, § 6o, da Medida Provisória nº 1984, em sua 19a edição.

O entendimento, ora exposto, encontra eco no magistério de Cássio Scarpinella Bueno, Cristina Gutiérrez, Sérgio Ferraz. Este, conquanto entenda ser inconstitucional a medida de suspensão, concorda com a interposição simultânea do agravo e da dita medida, por serem eles etimologicamente diferentes.

Dissente, todavia, desse posicionamento, Lúcia Valle Figueiredo. Sustenta, ela, inicialmente, que por meio do agravo busca-se uma nova decisão judicial. Na suspensão, por sua vez, o que se objetiva é o afastamento da decisão judicial que estaria colidindo com os graves valores protegidos pela medida.Salienta, por outro lado, que ao se fazer opção por um instituto processual, vedado está o manejo de outro.

Assevera citada professora que, se for interposto um agravo, com pedido ao relator de efeito suspensivo, e este sendo negado, não poderá a parte requerer a suspensão ao Presidente do tribunal (a quem compete conhecer do recurso principal), em virtude da preclusão consumativa e por essa conduta configurar por, via oblíqua, uma violação ao juiz natural.70

Com a devida vênia, os argumentos apresentados não convencem.

Entende-se, com apoio no magistério de Marcelo Abelha Rodrigues, que não existe obstáculo para a interposição da medida de suspensão.

Obtempere-se que a finalidade da medida não é afastar a decisão judicial, mas sim, suspender a sua eficácia. Logo, concordar com os argumentos apresentados pela autora é compreender que ambos os


70 Mandado de segurança, p. 170/171


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instintos buscam a mesma finalidade e possuem a mesma natureza jurídica, o que não corresponde com a essência deles.

Vale relembrar que muito embora exista o efeito suspensivo no agravo, ele é apenas um acessório, visto que o seu objetivo é a reforma da decisão hostilizada, que consiste, portanto, no seu mérito, enquanto "que o mérito do pedido de suspensão é a suspensão em si mesma."71

Observe-se, por outra margem, que até mesmo os elementos que conduzem a suspensão da decisão combatida, por meio do agravo, são diversos do pedido de suspensão. Naquele, o fumus boni iuris, exigido pelo CPC, art. 558, caput, diz respeito ao erro da decisão, o que não existe na suspensão. Nesta, o que se aprecia é o dano aos interesses públicos por ela tutelados, não havendo que se discutir sobre a juridicidade ou não da decisão, haja vista que seu objetivo não é uma nova decisão, mas suspender a eficácia dela.

Assim, evidenciado a distinção entre os institutos, não há que se falar, data vênia, em preclusão consumativa.

Nesse sentido, é a pena lapidar de Sérgio Ferraz:

Manifesto-me não só para aplaudir a resposta do Prof. Marcelo, mas para trazer minha concordância com o que ele afirmou quanto à concomitância da utilização do agravo e do pedido de suspensão, analisada do prisma da preclusão lógica. Preclusão lógica é uma expressão que está cunhada na filosofia, na lógica formal. Quando se fala em preclusão lógica deve-se entender que os imperativos da lógica formal incidem de maneira tal que exige uma total cobertura dos círculos de abrangências de uma questão para com a outra. Ora, se os pressupostos materiais conteudísticos do agravo e pedido de suspensão são realmente diferentes eles coincidem por acaso -se eles são etiologicamente diferentes, é impossível falar-se em preclusão lógica quando o ponto de partida de um e de outro remédio é absolutamente distinto. Essa é mais uma razão pela qual não aceito a idéia de preclusão lógica como critério de negação desta concomitância.72

Dirimindo qualquer dúvida acerca da propositura das medidas processuais ora examinadas, afirma, com muita precisão Marcelo Abelha, conforme se verifica a seguir:

Para espancar de vez a tese da ausência do interesse processual porque teria ocorrido a preclusão lógica, fazemos a seguinte indagação: se, em lugar do recurso de agravo, a parte requeresse o pedido de suspensão ao presidente e este denegasse de plano, estando no prazo para interpor o recurso de agravo, estaria trancada essa via pelo fato de já ter usado, sem sucesso, o incidente de suspensão? Admitir que sim seria, absurdamente, permitir que fosse tolhido o direito da parte de recorrer de uma decisão, sem que lhe tenha sido dada tal oportunidade anteriormente. Seria, em certo sentido, igualar pedido de suspensão ao recurso de agravo, o que nos parece uma incongruência, e, aí sim, ferir o princípio do duplo grau de jurisdição, o devido processo legal e o Estado Democrático de Direito.73

Nesse trecho, cabe destacar o julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça Acreano, em que uma autarquia estadual, SAERB Serviços de Água e Esgoto de Rio Branco, em face do Estado do Acre, insurgiu-se contra liminar deferida por juiz de primeiro grau, em sede cautelar, interpondo, na data de 10 de setembro de 1999, concomitantemente, suspensão de segurança e recurso de agravo de instrumento, que tramitaram sob os respectivos números: SS 99.789-8 e AI 99.000851-7. Referido pedido de suspensão foi indeferido em 04 de outubro de 1999; o que não prejudicou o conhecimento do agravo, julgado posteriormente ao indeferimento do pedido de suspensão, tendo a corte, inclusive, julgado procedente, através do acórdão TJ/AC nº 1.205, rel. Desembargadora Miracele de Souza Lopes Borges.


71 Abelha, Marcelo. in Direito processual público, p. 164.

72 In Direito processual público, coordenadores: Carlos Ary Sundseld e Cássio S. Bueno, p. 165.

73 In Suspensão de Segurança.


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De outra banda, insta registrar que não há infringência ao princípio do juiz natural, se tentasse com um juiz e depois com o outro o provimento não obtido anteriormente. Pensar diferentemente seria considerar o recurso de agravo com apenas um remédio para a finalidade de obter a medida do art. 527, II, do CPC, olvidando-se que a sua essência é o ataque à decisão interlocutória proferida, como bem pondera Marcelo Abelha Rodrigues.

8. CONCLUSÃO

Conclui-se pelo trabalho apresentado, que é mister se buscar espaço para o debate e reflexão em torno do tema que, além de desafiante é inovador.

Tem-se ciência que a inovação sempre sofre resistência em razão de dogmas, o que, muitas vezes, criam situações paradoxais. O arraigado entendimento de ser irrecorrível as decisões interlocutórias em sede de mandado de segurança, por exemplo, é um deles.

Impede-se atentar que a lei do mandado de segurança foi erigida sob o manto de Constituição pretérita. Logo, o entendimento da irrecorribilidade das decisões interlocutórias está embasado, com o devido máximo respeito, nas interpretações do passado, que correspondiam aos valores daquela época. E parafraseando Pedro Dinamarco, o interprete, deve ser um homem do seu tempo, pois o direito vive para servir a sociedade e não a sociedade ao direito.

Assim, imprescindível se faz que a lei do mandado de segurança seja interpretada à luz da nova ordem constitucional.

Nessa linha de raciocínio, é necessário estar aberto a mudanças, pois é através delas que o direito evolui. Aliás, Rui Barbosa já alertava para o "princípio máximo de que o Direito é uma Ciência em eterna evolução, sendo uma afronta a esta a ilógica eternidade de uma interpretação, onde novos pontos se apresentam, onde um novo amanhecer se eleva do horizonte."

A tese proposta representa uma mudança na praxe judiciária. A interposição simultânea do recurso de agravo e o pedido de suspensão é perfeitamente viável, pois trata-se de institutos diferentes, que independem um do outro, com natureza diversa, competência, finalidade e fundamentação diferentes.

A interposição deles, a um só tempo, sem dúvida alguma, será de grande utilidade prática na vida forense, sobretudo ao advogado público que tem sobre os seus ombros a árdua, e o mesmo tempo honrosa, missão de defender com eficiência e zelo o interesse público primário, que inclui o difuso, o coletivo e o social, como bem assevera Hugo Nigro Mazzili.

Quantas angústias às vezes vive o advogado público diante de decisão liminar, sem qualquer fundamentação, que ocasiona lesão grave aos interesses públicos, pertencentes a toda sociedade e não pode suscitar essa nulidade em sede de suspensão por ela não ser o instrumento adequado para tais argüições.

Por outra margem, é vedado o levantamento dessas questões no seio do agravo, dado o entendimento dominante da doutrina e jurisprudência em não admitir a recorribilidade das interlocutórias no mandamus, que indica como única alternativa o pedido de suspensão para se insurgir contra a liminar concessiva.

Urge, assim uma mudança de entendimento, pois o acesso à justiça viabiliza o acesso à ordem jurídica justa, como enfatiza Kazuo Watanabe.

A interposição simultânea dos institutos mencionados apresenta-se como solução razoável a essas questões, quando decisão judicial contrariar tanto o aspecto da legalidade, como causar gravame aos interesses públicos.

Registre-se, outrossim, que citada concomitância constitui-se uma excepcionalidade, com vias estreitas, a ser aferida em cada caso concreto, pelo Poder Judiciário.


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De outra parte, o advogado público deve ter a especial sensibilidade no sentido de manejar tais institutos somente quando configurados os seus pressupostos, sob pena da injusta taxação de procrastinador.

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