Tutela Antecipada X Tutela Cautelar e a Lei 10.444/02


Tutela Antecipada X Tutela Cautelar e a Lei 10.444/02

"A Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". São palavras do imortal Rui Barbosa, que demonstra desde há muito tempo a preocupação dos operadores do Direito com a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, cuja função é de aplicar a justiça e dar a cada um o que é seu no tempo devido, sem ferir o devido processo legal, formal e substancial.

O importantíssimo instituto da tutela antecipada surgiu com o advento da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, no intuito de amenizar o sofrimento das partes em ver mais rapidamente satisfeitas suas pretensões, uma vez que a finalidade do dispositivo legal (art. 273, CPC) é adiantar a decisão final, apreciando ab initio o mérito do pedido. Trata-se de provimento essencialmente exauriente, embora reversível.1

Assim, podemos dizer que a preocupação do legislador foi a de acelerar a efetividade da tutela jurisdicional, dando a possibilidade de initio litis obter a satisfação de seu pedido, ou de parte dele, mesmo que seja reversível ao final, esvaziando as defesas infundadas e de essência protelatória.

Nesse sentido o professor Carreira Alvim, verbis:

A antecipação, enquanto fenômeno processual, ensejou entre nós, num primeiro passo, o julgamento antecipado da lide, logo após o encerramento da fase postulatória com o que se sepultaram as provas protelatórias e agora, num passo de gigante antecipa initio litis a própria tutela jurisdicional, com o que diminuirá o número das defesas infundadas, também imbuídas de propósito meramente protelatório (Código de Processo Civil Reformado, 1.ª ed. Del Rey, p. 95)

Analisada, em primeiras linhas, a tutela antecipada, vejamos, agora, a tutela cautelar em algumas palavras.

A tutela cautelar ganhou seu caráter de "satisfatividade" no direito italiano, uma vez que os juristas daquele país necessitavam de uma medida que garantisse a satisfação antecipada de pretensão típica do processo de conhecimento, quando evidente circunstâncias concretas de iminente perigo.

Tal entendimento, face à inexistência de mecanismos que dessem a efetividade buscada pelos titulares desses direitos em iminente perigo, fez com que os juristas pátrios a utilizassem nesse sentido: interposição de cautelar de caráter satisfativo.

Nos aclara, quanto a esse ponto, a lição do professor Reis Friede, em sua obra "Comentários ao Código de Processo Civil", 1ª edição, Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, in verbis:

A tutela cautelar, é importante advertir, alude a uma forma de jurisdição impropriamente considerada (uma jurisdição essencialmente extensiva) que, em nenhuma hipótese, permite a caracterização efetiva de uma lide de caráter meritório. Por via de conseqüência, a sentença de cunho cautelar não pode e, de fato, não objetiva, em nenhum caso, a obtenção de um resultado concreto que venha, de alguma maneira, a antecipar os efeitos próprios da sentença da ação principal, salvo, em situações excepcionalíssimas, em que a proteção cautelar concedida sempre por vias transversas esvazia indiretamente (sem propender ostensivamente a esta finalidade) o conteúdo meritório da lide cognitiva.

Fora desses limites estreitos, o emprego da tutela cautelar é apenas e tão-somente uma forma jurídica distorcida, uma falácia desvirtuada de seus preceitos e objetivos fundamentais.

Feitas essa premissas, resta demonstrado o equívoco no uso da ação cautelar sempre que se pretendia obter uma antecipação do provimento final, mediante o ajuizamento de uma ação cautelar com pedido de liminar e, posteriormente, com o ingresso de outra ação idêntica, chamada de "principal", na qual eram discutidas as mesmas questões aduzidas em sede de cautelar.


1 FREIDE, Reis. Tutela Antecipada Tutela Específica Tutela Cautelar. 4. ed., Belo Horizonte: Del Rey.


Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Acre



Essa prática traz vários dificultores e verdadeiras violações aos dogmas processuais da celeridade e da economia processuais, os quais podemos citar como exemplo: consumo desnecessário de papel, necessidade de prática de atos repetidos por parte dos serventuários, etc.

Diante dessa situação, alguns magistrados extinguiam o processo cautelar, em razão de seu caráter satisfativo. O problema, apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter firmado entendimento nesse sentido, era que a parte ficava sem uma prestação efetiva da tutela jurisdicional, uma vez que esta não era passível de antecipação na ação de conhecimento.

Hodiernamente, com o advento do já mencionado instituto da antecipação de tutela no CPC, o expediente da ação cautelar "satisfativa", que vem sendo indevidamente utilizado, deve ser reprimido, considerando a possibilidade de se antecipar os efeitos da pretensão deduzida no próprio processo de conhecimento, sendo assim, inaceitável que se deixe a parte manejar um pedido em ação cautelar quando o objetivo é o de antecipar a tutela final, total ou parcialmente.

Nesse sentido, os tribunais têm entendido que

a medida cautelar deve cingir-se a assegurar a garantia da eficácia do processo principal, assumindo, indevidamente, caráter satisfativo quando utilizada para antecipar o resultado de prestação jurisdicional que será objeto de exame e debate profundo da ação ordinária que lhe seguirá" (TRF 1.ª Região, AC 1997.01.00.006481-4/RO, rel. Aldir Passarinho Júnior), bem como que "as pretensões de antecipação da tutela satisfativa do direito material, agora, somente podem ser deduzidas pela via incidental, no próprio processo de conhecimento. Sendo possível pedir a tutela antecipada por simples petição, evidentemente não há necessidade da propositura de ação cautelar inominada com o mesmo objetivo (TRF 4a Região, AC 95.04.45647-2 SC, rel. Juiz Amir Sarti).

Para espancarmos as dúvidas, registramos que nos casos onde a tutela cautelar confunde-se, ainda que apenas parcialmente, com a própria tutela principal, com pedidos e efeitos idênticos ou parcialmente idênticos, a via adequada é a ação ordinária, de cognição exauriente, com eventual pedido de antecipação da tutela, nos termos do artigo 273 do CPC.

Destarte, propondo a parte uma ação cautelar que tenha por objetivo a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, vazia de sua natural função (acautelatória do provimento principal), o juiz deveria extinguir o processo, com base no art. 267, inciso VI, do CPC, uma vez que ausente a condição da ação interesse de agir , por ser a mesma a via inadequada.

No entanto, esta não é a solução que melhor reflete o espírito de instrumentalidade orientador do direito processual civil, que exige do magistrado uma postura criativa para impedir que não se preste a tutela jurisdicional em razão de postulações malfeitas.

Assim, entendemos que a melhor solução para o caso é a conversão, de ofício, da ação cautelar em ação ordinária, sendo que o pedido de concessão de liminar deverá ser entendido como pedido de antecipação de tutela, já que atécnico e indevido o pedido de medida cautelar satisfativa.

O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região vem entendendo nesse sentido, vejamos:

AÇÃO CAUTELAR. PEDIDO DE LIBERAÇÃO DOS SALDOS DA CONTA VINCULADA DO FGTS. NATUREZA SATISFATIVA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DO "PERICULUM IN MORA.

I - O objetivo do processo cautelar não é antecipar o provimento definitivo de mérito (ação de conhecimento) ou a medida executiva (ação de execução), mas apenas garantir a eficácia ou o resultado útil do provimento final ou da medida executiva.

II - Pedido de natureza satisfativa é inadmissível em ação cautelar .

III - Ausente o pressuposto específico do periculum in mora, impõe-se seja julgado improcedente o pedido cautelar .


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IV - Apelação a que se nega provimento." (AC 95.01.07106-5 /DF ; APELAÇÃO CIVEL)

A tese de que, pela natureza da lide, esta cautelar deveria ter natureza satisfativa não encontra amparo na legislação processual civil.

A pretensão somente pode ser satisfeita em regular ação ordinária, nunca em processo cautelar.

Com efeito, nego provimento à apelação. É como voto. (TRF 1.ª Região, AC 1997.01.00.006481-4/RO, rel. Julier Sebastião da Silva)

E mais, o Tribunal Regional Federal da 4a Região já julgou que:

(...) aplica-se o princípio da fungibilidade quando é vertida pretensão cautelar satisfativa, conhecendo-se do pedido como se de tutela antecipada fosse, mormente porque ajuizada a ação antes do advento do novo instituto. O que interessa, em última análise, é a profundidade da cognição judicial (AC 191254-PR, rel. Paulo Afonso Brum Vaz).

"(...) a fungibilidade dos meios de cautela do direito autoriza se conheça de medida cautelar de caráter satisfativo como pedido de antecipação de tutela, remédio processual adequado à pretensã (AG 97.04.65996-2/SC, 5a Turma, rel. Juíza Virgínia Scheilbe, DJ 10.02.1999, p. 547).

É de boa técnica, portanto, transformar, de ofício, o processo cautelar em face do disposto nos arts. 125 e 295, inciso V, do CPC, e em respeito aos princípios da fungibilidade, da instrumentalidade, da economia e da celeridade processuais. É medida que se impõe para reprimir a inútil e inconveniente duplicação de ações cautelar e ordinária com objetivos idênticos, que incham, sem motivo, os fóruns e ocasionam uma série de outros empecilhos reflexos à vara, ao serventuário e à própria parte (gasto de papel desnecessário, etc.).

É sempre prudente, antes de determinar a conversão da ação cautelar em ação ordinária, que, para evitar prejuízos e futuras alegações de nulidade, seja determinada a intimação da parte requerente para proceder as modificações que reputar convenientes na exordial, adequando-a ao rito ordinário. Ressaltamos, ainda, que, caso o periculum in mora seja iminente, o pedido poderá ser apreciado incontinenti e somente a posteriori ser determinada a conversão da cautelar ao procedimento ordinário.

Por fim, lembremos que, recentemente, a Lei 10.444/2002, acrescentando o § 7° ao art. 273 do CPC, adotou expressamente o princípio da fungibilidade entre antecipação de tutela e cautelar ao estatuir que:

§ 7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Merece aplausos o legislador ao introduzir expressamente o princípio da fungibilidade entre antecipação de tutela e cautelar, fazendo com que o advogado não tenha mais "desculpas" para ingressar com uma ação cautelar, pois, mesmo diante de um "fumus boni iuris", a "liminar" poderá ser concedida nos próprios autos "principais".

Portanto, o § 7° do art. 273 do CPC deve ser prestigiado, evitando-se, assim, a duplicação de feitos cautelar e ordinário, quando a matéria poderá ser discutida, pelas razões acima aduzidas, com muito mais vantagens em um só processo, prestando-se, dessa forma, uma tutela jurisdicional mais efetiva e célere.

BIBLIOGRAFIA

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2002.

FRIEDE, Reis. Comentários ao código de processo civil. 1. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária.

FRIEDE, Reis. Tutela Antecipada Tutela Específica Tutela Cautelar. 4. ed., Belo Horizonte: Del Rey.


Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Acre



MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução Imediata da sentença. 3. ed., São Paulo: RT.

SILVA, Antônio Carlos. Apostila novas tendências do direito processual civil. do Curso de Pós-Graduação "Lato-Sensu" do Instituto de Ensino Superior da Amazônia- IES, conveniado com a Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.

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