O ENSINO DO DIREITO NO BRASIL

1.0. INTRODUÇÃO

O debate sobre o ensino e pesquisa em direito remonta a San Thiago e Rui Barbosa, permanecendo em nossos dias de forma mais vigorosa. Nesta perfunctória abordagem será lembrado o surgimento do ensino de direito no Brasil, que já no seu nascedouro evidenciavam os mesmos problemas atualmente detectados, ou seja, a formação jurídica retórica e literária, divorciada da realidade social e da transformação do país. Este estudo dedica um tópico reforçando a tese do passadismo e do divórcio do ensino do direito, apontando exemplificações vivenciadas no mundo jurídico que se encontram desconectadas da realidade brasileira. Ressalta a primordial necessidade de mudança na metodologia aplicada, tendo em vista que não se pode mais ficar preso as tradicionais aulas estilo coimbra. Abaliza as mais marcantes deficiências do ensino do direito, salientando que as reformas empreendidas, de um modo geral, cometem o mesmo erro, ou seja, visam os conteúdos em detrimento da metodologia, dão importância as conseqüências, sem chegar na fonte. Há premência de uma formação especializada, frente às peculiaridades do mercado globalizante. Urge repensar o ensino jurídico, a partir de sua base, investindo-se mais em pesquisa. Não se deve olvidar que a missão do ensino de direito deve estar comprometido com a transformação social e com a idéia de justiça social.

2.0. O SURGIMENTO DO ENSINO DE DIREITO NO BRASIL

Na época do colonialismo português a elite brasileira buscava sua formação na metrópole, na Universidade de Coimbra, mais especificamente nos seus cursos jurídicos, motivo pelo qual a grande influência da escola lusitana sobre a criação do Estado nacional brasileiro.

Portugal, até a reforma pombalina, tinha sua educação direcionada pelo fator religioso, a partir dessa reforma os ventos liberais movem as estruturas educacionais portuguesas. Entretanto, o liberalismo português demonstrou-se paradoxal: combina o ideário liberal, com o fim de modernização econômica, com poder estatal concentrado - o despotismo esclarecido de Pombal. Este signo marcará também o Estado brasileiro.

Com a independência necessitavam as elites nacionais constituir quadros para a administração do novo país, assim as escolas foram encarregadas de reproduzir a ideologia do Estado Nacional. Foi esse o motivo dos constituintes de 1823 terem devotado empenho na discussão acerca da criação das Faculdades de Direito. Importante destacar, a independência política não ensejou a cultural, houve apenas uma mudança no referencial, dantes Portugal, após a independência espelhavam-se na Inglaterra e França.

A nova Nação, a exemplo e por influência da formação recebida em Portugal por nossos estadistas, ensaia o ideário liberal, mas centraliza o poder no aparelho estatal. Neste paradoxo, nasce o ensino jurídico no Brasil, através da Lei de 11 de agosto de 1827, com ideais liberais do Estado constitucional, mas objetivando fornecer quadros para o aparelho estatal - centralizador. Assim, as faculdades de Direito não foram criadas no Brasil para formar advogados, profissionais liberais defensores dos interesses da sociedade civil contra o opressor, eventualmente o Estado. Muito pelo contrário, visava formar a elite político-burocrática.

O renomado mestre Joaquim Falcão1 assevera que:

As faculdades de direito foram criadas por dois outros motivos principais. Primeiro, porque, com a Independência, a administração colonial até então administração portuguesa fora rejeitada pela nova Nação.


1 Falcão, Joaquim de Arruda. Os Advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco Editora Massangana, 1984, p. 98.


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Segundo, porque o Estado assumirá novas funções e necessitava de novos quadros profissionais. Como Estado independente o Brasil tem novas necessidades administrativas, políticas e sociais a serem atendidas... Insisto: o objetivo principal da criação das faculdades de Direito é a preparação de quadros que vão assegurar a sobrevivência administrativa e política do estado Nacional independente.

O ensino jurídico no Império era caracterizado pela centralização e pobreza de recursos. Havia inicialmente só duas faculdades - São Paulo e Olinda, que eram um centro de formação geral à moda coimbra. Havia, também, carência de professores, que em geral se dedicavam a outras atividades. Já naquela época existia o desejo de reformas.

Não obstantes as reformas empreendidas, a República Velha mantém o nível da formação jurídica retórica e literária, divorciado da realidade social e da transformação do país. Nessa época, a reforma do federalismo educacional de Benjamin Constant retoma a idéia do ensino livre de Leôncio de Carvalho, malfadada no Império. O ensino livre propiciou a criação de muitas escolas de Direito e o conseqüente aumento do número de matrículas e de bacharéis, mas não alterou a mentalidade reinante no ensino jurídico, mantidas as deficiências do Império.

Já em 1941, o Professor Francisco Clementino de San Tiago Dantas, pronunciava um libelo pela renovação do Direito. Em 1947, na aula inaugural da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, assevera que a classe dirigente no Brasil é responsável pela crise que se abate (1955) sobre a Nação, pela perda da capacidade de responder às demandas sociais. Aponta a Universidade como local de reabilitação da sociedade. Assevera que o objetivo da educação jurídica é a resolução dos conflitos sociais, observa que a faculdade não prepara para tal tarefa. Critica o método de aula expositiva de institutos e normas, tendo em vista que distante da realidade social, distante também da formação do raciocínio jurídico necessário à solução dos conflitos sociais. Propõe a substituição das aulas expositivas pelo case system, estudo de casos orientados para a formação do raciocínio jurídico, voltando os olhos dos que trabalham o Direito para as relações sociais. Sustenta a necessidade de especialização do bacharel, frente aos reclamos do mercado de trabalho, sem que isto implique a perda do que chama formação geral, o que é obtido, segundo o Professor, com a técnica do currículo flexível, potencializando as opções do estudante nos diversos ramos do saber jurídico.

Interessante frisar que a proposta metodológica indicada pelo professor naquela época, ainda hoje é apontada como uma das alternativas mais viável para se quebrar a monotonia do estudo sistemático e descritivo dos institutos jurídicos. Por outro lado, o entendimento deste professor mereceu de autores respeitáveis, estudos deveras profícuos, inclusive muitas críticas, que não serão abordadas para não tornar tão prolixo o presente estudo.

A política governamental iniciada no governo pós-golpe militar de 1964, contribui sobremaneira com a crise do ensino jurídico, pois nessa época houve a expansão indiscriminada do ensino superior, como forma de reverter à insatisfação política da classe média urbana e conseguir o seu apoio para o projeto de governo, bem como ocorreu, também, a centralização dos recursos orçamentários no ensino superior das ciências exatas, necessárias à industrialização crescente, no formato do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).

Com a expansão sem limites da educação superior ampliaram-se as instituições privadas, sem o devido controle de sua qualidade. Estas instituições, atraídas pelo baixo custo e alto lucro, preferem as ciências sociais. No caso especial do ensino jurídico, a multiplicação das profissões ligadas à área jurídica leva a uma vertiginosa procura por estes cursos. Por conseqüência, ocorre um aumento substancial desses profissionais, que ficam a "ver navios", vez que o mercado de trabalho não os absorvem.

As faculdades de Direito permitem uma maximização da relação professor/aluno, diminuindo o custo por aluno, a remuneração do professor, por conseguinte, aumento dos lucros. Os alunos, com vistas


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nas profissões afins à área jurídica não pugnam por uma formação mais completa (e especializada), por que as generalistas (menos exigentes) são mais convenientes. De outra banda, os professores mal remunerados vão a busca do sustento noutros ramos da atividade jurídica, o que degrada consideravelmente a qualidade do ensino ministrado.

Assim, instaurou-se o círculo vicioso que assegura a reprodução da crise do ensino jurídico - a crise se perpetua. Com perseverança e apoio da sociedade como um todo, com certeza os desacertos serão superados.

3.0. ENSINO DO DIREITO: PASSADISMO E DIVÓRCIO COM A VIDA REAL

O ensino do Direito sempre esteve envolto ao passadismo e divórcio com a vida real. Tem como norte o passado em lugar de orientar-se para o presente e o futuro. Preocupa-se sobremaneira em explicar o direito constituído. Como esse direito apareceu com base em circunstância milenar, reflexo de uma problemática e um estilo de solução remota, conduz a um ensino anacrônico.

Uma das graves deficiências de nossa cultura jurídica, em especial na América Latina, é a falta de adequação à realidade nacional. Odilon Costa Manso2, em estudo sobre formação nacional e cultura jurídica, apontou essa forte tendência: "esse equívoco de acertarmos os ponteiros do nosso relógio político aos mostradores de Londres ou Paris, sem atentar para a grande diferença de horário dos respectivos meridianos sociais, tem-nos conduzido a graves crises, abalos e retrocesso"

Em estudos realizados sobre dezenas de institutos jurídicos albergados em nossa legislação vislumbra-se uma simples cópia de modelos estrangeiros, como foi denunciado no Congresso Interamericano de Filosofia, realizado em Brasília, nos idos de 1972. É inconteste que a marcha de nossa legislação, em suas linhas gerais, acompanha a do Direito estrangeiro. O que gera leis e institutos que não correspondem à nossa realidade e aos nossos verdadeiros interesses.

Prova maior dessa sistemática são as nossas Constituições. A Constituição brasileira de 1824 foi fruto de profundas influências das idéias e instituições liberais defendidas pela Revolução Francesa; a Constituição de 1891 transplantou dos norte-americanos para o Brasil o modelo do Federalismo, que não correspondia à nossa realidade histórica; a Constituição de 1937, a conhecida Polaquinha, vez que espelhava a Constituição da Polônia, foi inspirada pelo sucesso que o Estado Novo vinha conseguindo na Europa, produto dos movimentos autoritários do tipo nazista e fascista, em que líderes carismáticos, apoiados em modernos métodos de propaganda fascinavam multidões, o sistema bipartidário introduzido em 1965, modelo inglês e americano; o Código Comercial imitação do Código Francês e ai por diante...

Sobre tal temática, pronunciou-se Franco Montoro3 da seguinte forma:

...o Direito é um fenômeno cultural e, como tal, constituído de `substrato' e `sentido' (intencionalidade ou fim). Ora, o sentido, intenção ou finalidade a que estão voltadas as instituições ou doutrinas alienígenas podem não coincidir e, na realidade, em regra não coincidem com os nossos interesses, porque as situações são distintas: as grandes nações procuram `conservar', e as subdesenvolvidas, `superar' ou `transformar' sua condição. Por isso, com freqüência, transplantar um instituto, uma doutrina, um método, significa introduzir com ele, em nosso meio, um elemento cultural cujo `sentido' ou `finalidade' não corresponde à nossa situação e aos nossos interesses.

Necessário se faz repensar essa sistemática, pois as normas de um país são frutos da realidade social e dos valores sociais em que tais regras foram elaboradas. Parafraseando Durheim, o Direito antes de


2 Montoro, André Franco (1914). Estudos de filosofia do direito. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p.109.

3 idem, p. 90.


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ser norma é fato social, reflexo do sentimento de justiça imanente a todo ser humano, condicionado pela realidade e valores do mesmo grupo.

4.0. NECESSIDADE DE MUDANÇA NO ENSINO

Urge mudanças no ensino jurídico, há necessidade de uma profunda reformulação, no que concerne à moralização e às modificações do currículo e da metodologia. Ora, o ensino jurídico ainda hoje encontra-se enraizado nas tradições coimbrãs, o que se vê são apenas aulas discursivas, excessivo dogmatismo, nenhuma contextualização do currículo com a realidade social e com os novos ramos do direito, menor ênfase a formação prática para o exercício profissional, ausência de fórum/debates/ seminários/encontros a respeito do direito positivo, visando o aprimoramento do ordenamento jurídico, falta de formação ética.

A própria complexidade socioeconômica, com a crescente dificuldade do Estado em reproduzir a estrutura econômica capitalista e em conciliar suas funções de provedor, interventor, regulador e planejador, bem como o fenômeno da globalização e necessidades práticas dos profissionais da área jurídica têm exigido novos graus de especialização funcional e técnica em sua formação profissional, que requerem não apenas saberes extradogmáticos, como extrajurídicos.

Em face dessa crescente mutação do sentido das profissões jurídicas, as especializações tradicionais e unidisciplinares têm cedido lugar a nova especialização mais ligada à moderna produção agrícola, industrial, comercial e de serviços e aos novos conflitos delas decorrentes, requerendo assim, um saber crescente, muldisciplinar e antiformalista. Dentro desse contexto, há necessidade desses profissionais serem preparados para se tornarem capazes de assumir uma visão crítica diante do direito positivo e adequá-lo à realidade emergente.

José Eduardo Faria4, levanta tal problemática, consoante se vê, abaixo, colacionado:

...a crise de identidade epistemológica em que hoje se debate a própria reflexão sobre o direito. Este se encontra "Hamlentianamente" martirizado pelo dilema de ser arte ou ciência, isto é, entre ser "tecnologia de controle, organização e direção social", o que implica uma formação meramente informativa, despolitizada, adestradora e dogmática, estruturada em torno de um sistema jurídico tido como autárquico, auto-suficiente, completo, lógico e formalmente coerente; ou ser uma "atividade verdadeiramente científica", eminentemente crítica e especulativa o que exige uma formação normativa, não dogmática e multidisciplinar, organizada a partir de uma interrogação sobre a dimensão política, as implicações socioeconômicas e a natureza ideológica da ordem jurídica.

O citado professor faz a seguinte indagação: " até que ponto os homens situados numa formação social como a atual, em que a miséria e a extrema pobreza atingem 64 % da população brasileira, podem ser tomados como cidadãos efetivamente iguais entre si em seus direitos, em seus deveres e suas capacidades tanto subjetivas quanto objetivas de fazê-los prevalecer?"

Diante desse paradoxo não se deve limitar a cultura jurídica aos limites estreitos de formalistas de uma estrutura curricular excessivamente dogmática. Há necessidade de conciliar o saber genético sobre a produção, a função e as condições de aplicação do direito positivo, exigindo-se, assim, uma reflexão multidisciplinar capaz de desvendar às relações sociais subjacentes às normas e às relações jurídicas, e de fornecer aos juristas não apenas novos métodos de trabalho, mas informações novas e reformuladas.

De bom alvitre lembrar os dizeres do Professor José Renato Nalini 5:

Para os que cultivam os princípios da `cientificidade, pureza e neutralidade' sobre o direito positivo vigente, reduzindo-o assim ao exame exclusivamente formal das regras de um dado sistema, os esforços críticos, as


4 na obra de José Renato Nalini, in Formação jurídica, 2. ed., RT, 1999, p. 15:

5 idem.


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preocupações metodológicas e as disciplinas formativas fariam dos juristas apenas `clínico gerais', sem dota-los de habilitação técnica para execução de "cirurgias".

A implementação dessas mudanças implica num mínimo de rigor metodológico, com enfrentamento de discussão acerca da função social do jurista, do caráter instrumental da dogmática jurídica e as influências ideológicas na formação do conhecimento jurídico.

5.0. OS PROBLEMAS DO ENSINO DE DIREITO

É hábito internacional realizar avaliação nas faculdades, no Brasil só há três anos tal prática foi levada a sério. A má qualidade do ensino de Direito no país ficou estampada depois do Exame nacional de Cursos e da Avaliação das Condições de Oferta dos Cursos de Direito, onde dados quantitativos e qualitativos comprovam que o curso de direito deixa muito a desejar.

Todas as reformas do ensino de uma forma ou outra visam aos conteúdos em detrimento da metodologia de ensino. Esse, talvez seja o mais importante aspecto a ser reformado, ou seja, atacar a forma pela qual o conhecimento é transmitido em sala de aula. A habilidade mais importante que o estudante pode adquirir no 3º grau é aprender a aprender. Um curso superior deve estimular a capacidade pró-ativa do aluno de aprender, o que acontece, através da metodologia de aprender fazendo. Tal metodologia desenvolve um tipo de inteligência orientada para a solução de problemas.

Outra problemática existente é a descontinuidade nos ensinamentos, não existe seqüência entre os semestres, nem entre cursos, de forma que o aluno sequer aprende o mínimo essencial do programa. Os currículos favorecem uma formação línea, uni-disciplinar, elencando disciplinas informativas, em desfavor das formativas, já que a ciência do Direito repele aos outros saberes, reduzindo o todo jurídico a normatividade.

Essa sistemática de ensino do direito não é inocente, consoante verificamos inicialmente, desde a independência do País, o Direito é utilizado como discurso ideológico, sob o manto falso do ideal de neutralidade, de manutenção do poder.

Outro ponto a ser ressaltado é com relação ao corpo docente das universidades. Com a crise que assola tais instituições, a maioria dos bons profissionais já desistiu de dar aula, em face da baixa remuneração oferecida, o que permanece ou possui grande amor à profissão ou porque não encontrou outra atividade, muitas vezes devido a sua própria deficiência. Não há investimento nesses profissionais. Por outro lado, o que se tem notado é que o professor se perde em divagações sobre minúcias, olvidando-se de dar uma visão geral da disciplina, dos princípios e questões fundamentais.

Observa-se também, que falta um melhor entrosamento interdisciplinar, quer seja das disciplinas jurídicas entre si, quer seja das disciplinas de ciências afins. Falta, ainda, uma atenção direta à ética forense, tanto de advogados, juízes, promotores, defensores como de outros profissionais da área.

Há um certo descuido com a linguagem jurídica, o desconhecimento do vernáculo, já que a elegância e a boa técnica não são apenas perfumes para serem guardados em prateleiras, suas ausências no trabalho forense denota o despreparo profissional.

O ideal é que uma formação profissional exija aprimorada preparação do estudante para o desempenho do papel social do operador do direito, como agente indispensável à administração da justiça.

Outro ponto nevrálgico que contribui sobremaneira para a deficiência do ensino jurídico é a abertura indiscriminada de Faculdades, sob o argumento da disseminação de cultura e a priorização do lucro em detrimento da qualidade de ensino ministrado. Isso tem prejudicado a qualidade do exercício profissional, levando a um crescente número de profissional despreparado. Só a título de ilustração cita-se como exemplo o Estado de São Paulo onde são inscritos, aproximadamente, cento e trinta mil advogados. A falsa


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idéia difundida de que o mercado de trabalho na área jurídica oferece oportunidade a todos faz com que os cursos de direito ocupem lugar destacado no número de vagas oferecidas, pois a demanda social cria mercado para as fábricas de bacharéis. A crescente abertura de curso na área jurídica é estimulada pelo baixo custo de manutenção, tendo em vista que estruturado em aulas conferências, cujo único material permanente é a sala de aula e o material de consumo se reduz ao giz, não são necessários laboratórios, computadores, estufas ou instalações sofisticadas.

Verifica-se a irresponsabilidade governamental que compactuou com a criação indiscriminada de faculdades em todo o País, não controlando a relação quantidade verso qualidade de profissionais formados anualmente, bem como a capacidade de absorção do mercado de trabalho desses profissionais.

Os hipossuficientes procuram advogados que cobram menos, despreparados, em conseqüência oferecem um serviço de menor qualidade, o que vem gerando um processo de desprestígio e desvalorização deste profissional.

O Exame de Ordem não tem logrado atingir o escopo a que se propôs, pois muitos destes mal-formados bacharéis procuram as seccionais da Ordem que facilitam tal exame.

6.0. O DIREITO QUE SE ENSINA

O positivismo normativista cria um sistema jurídico alienado e alienante. Nesta esteira o Direito é vislumbrado como tecnologia de controle social, reduzindo o social conflitivo à norma, pura, impessoal. Destarte, o Direito é concebido como um todo sistêmico, lógico-formal, em que os conceitos têm existência autônoma, divorciada da realidade social. As relações entre os institutos e as pessoas são tratadas através de conceitos abstratos, desvinculados de sua historicidade. O que se impera é a "legalidade" em detrimento da legitimidade.

Nessa linha de entendimento, o Direito é apresentado aos alunos de forma pronta e acabada, impedindo o desenvolvimento do espírito crítico destes. As aulas expositivas permanecem no estilo coimbrão, sem estímulo a participação ativa dos alunos, são verdadeiros monólogos, no qual o professor literalmente reza o "terço" sem interrupções.

Michel Miaille6, denuncia que a introdução ao Direito, inversamente do que o nome sugere, não introduz de fato o aluno ao Direito, na verdade não passa de mera familiarização com a terminologia jurídica e definições. Não conduz a uma reflexão mais aprofundada.

Conforme dizeres de H.L. e J. Mazeadu7: "Este ensino do direito permanece demasiado exclusivamente centrado no estudo do direito positivo (legislação e jurisprudência). (...) O ensino do direito deve propor-se um outro objetivo: fazer um juízo de valor sobre a regra de direito, estudar essa regra de lege ferenda (...)".

Ratificam-se os entendimentos acima citados, pois o estudo do direito deve processar de forma crítica, ou seja, de suscitar o que não é visível, para explicar o visível, que qualquer coisa para ser analisada e apreendida tem de o ser no seu movimento interno, não se pode reduzir o real a uma simples manifestação. Desse modo, o aluno irá permitir não só descobrir os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, como também vislumbrar novas dimensões.

Outro ponto a ressaltar é no tocante ao distanciamento do estudante de direito em relação às contingências da prática, vez que há mais do que uma grande distância entre a teoria e a prática do direito.


6 Miaille, Michel. Introdução Crítica ao Direito. (1989) editorial Estampa, Lisboa pág. 18 e seguintes

7 Tratado de H.L. e J.MAZEAUD, Leçons de droit civil, Montcherstien, Paris, 1972, 5. ed., p. 43-44.


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A Ciência jurídica hodiernamente praticada não passa de mera formalização, um corolário de legislação e doutrina, auto-aplicáveis ao caso concreto. Os trabalhos desenvolvidos limitam-se às transcrições de doutrinadores e legislações, sem uma análise crítica e mais aprofundada. Ora, não é possível continuar vivendo do passado, tendo em vista que o momento histórico é outro, por conseguinte, outros são os nossos valores. Assim, urge fazer uma releitura dos termos e teorias jurídicas utilizadas, de forma a adequá-las à realidade em que vivemos, ao novo paradigma vigente: o Estado Democrático de Direito.

O Citado professor assevera ainda que a problemática inicial da ciência jurídica é a problemática teológica. O estudo do direito não encontra nem o seu fundamento nem o seu objetivo na preocupação de explicar o que são realmente as regras jurídicas, a sua função no seio da sociedade, o seu modo de transformação. A referência do jurista não é pois a sociedade, o que é um ponto de vista relativamente moderno, a referência é Deus.

As reformas introduzidas no ensino do direito configuram-se mais por aditamentos do que propriamente transformações. Conforme bem salienta Michel Miaille8: "O capítulo sobre a regra de direito é muitas vezes acompanhado por um capítulo sobre as condições sociais nas quais apareceu pela primeira vez esta regra, mas a explicação da regra não mudou a maior parte das vezes. Ela reenvia para o mesmo céu das noções ideais, para os mesmos pressupostos".

Felizmente, hoje, tanto a investigação como o ensino do direito se processam de forma objetiva, livres do peso da teologia. O empirismo ganhou terreno, de modo que a experiência e a observação tornaram-se as palavras chaves não só do conhecimento do direito em geral.

Uma explicação do direito não se pode limitar ao simples enunciado da constatação desta ou daquela regra e da análise do seu funcionamento, ela tem de ver "para além" deste direito positivo, o que lhe justifica a existência e a especialidade. Urge chegar a fonte e não as conseqüências. Temos que repensar o ensino jurídico, a partir de sua base: o que é o direito, para que possa ensiná-lo.

A propósito, convém transcrever os ensinamentos de Roberto Lyra Filho9:

O ponto em foco é que o significante direito representa um entroncamento de significados, que designam a realidade complexa, dialética e global do fenômeno jurídico. Um perspectivismo, à GARCIA MAYNES, por exemplo, perde o fio da meada (MAYNEZ, 1977: 36-50), e torna impraticável, não só a correta visão do direito, como um todos, mais inclusive a exata colocação de cada um dos aspectos que se pretenda considerar isoladamente. Não basta reconhecer que vários aspectos do direito existem; é preciso vê-los, no seu entrosamento, sendo esta a única maneira de identificar e esclarecer cada um deles, em especial.

Prosseguindo em seus escólios o professor acima citado ressalta que

o direito é um fenômeno mais complexo do que se postula, ainda, hoje, no debate sobre o seu estudo e ensino; que as contrações, baseadas nessa camisa de força, desfiguram o direito, não só em termos gerais, mas até na reta compreensão de cada um dos seus aspectos, sempre isolados, como se fossem compartimentos estanques.

7.0. NOVOS TEMPOS NO MUNDO GLOBALIZADO

Hodiernamente vivencia-se a era dos paradoxos, pois há uma forte tendência aos agrupamentos entre as nações e exacerbação dos nacionalismos; proclamação dos direitos fundamentais de terceira e quarta geração; conquistas científicas e tecnológicas avançadíssimas e a multiplicação da miséria e da exclusão.

8 Miaille, 1989, p. 52.

9 Lyra Filho, Roberto. O Direito que se ensina errado. Brasília: CAD da UNB, 1980, p.8.


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O Direito, no mundo globalizado, deixa de ser a concepção jurídica exclusiva de cada Estado, para ser instrumento comum de solução de controvérsia entre distintos Estados, entre Estados e cidadãos de outro Estado. O curso jurídico deve atender às necessidades de formação fundamental, sócio-política, técnico-jurídica e prática do bacharel em direito. A formação fundamental deve incluir Filosofia, contemplando a Filosofia Geral e a Filosofia jurídica, a Ética Geral e a Ética Profissional, Deontologia, além de Sociologia, Economia e Ciência Política. A Psicologia, a História, a Economia e a Antropologia estão a demandar atenção maior.

Atendendo-se às necessidades do futuro mercado globalizante e integrado, urge formação especializada, com objetivos, conteúdo e metodologia própria. Essa especialização já está prevista no novo regime do ensino jurídico. As faculdades de Direito têm uma tarefa humanizadora, no sentido de formar juristas conscientes da realidade do seu País, defensores dos valores fundamentais da justiça e da liberdade humana. A formação de jovens juristas exige que o curso de lógica seja completado por um curso de retórica, que não se limita a apenas expressar-se bem, mas sobretudo que seja capacitado na arte da persuasão e do convencimento, no momento de sua argumentação.

8.0. ENSINO DO DIREITO MISSÃO.

Wladimir Kourganoff10, assevera que o objetivo primeiro do ensino superior é a formação dos estudantes. Esclarece, referida formação pode apresentar vários aspectos, dentre eles o de ensinar ao estudante um certo número de noções (conceitos); fazê-lo assimilar "idéias", fixando em sua memória informações; exercitá-lo no uso de métodos e de técnicas. No final conclui que tudo isto corresponde ao aspecto "instrução" do ensino.

Mister que o docente assegure a continuidade lógica das diferentes etapas da instrução, privilegiando a introdutória, para possibilitar a assimilação dos conhecimentos prévios necessários à compreensão do todo.

O ensino não se limita apenas em informar e proporcionar um certo grau de conhecimento. Ensinar a pensar por si próprio de maneira independente, desenvolver a percepção de um senso crítico, condição primordial para a invenção e descoberta. A educação deve despertar o sentido da investigação e o desejo de saber mais. O desafio, ao qual não podemos furtar, é formar operadores do direito comprometidos com a transformação social, com uma idéia de justiça social.

Destarte, o ensino do Direito tem precipuamente a missão de formar jurista. Não pode nem deve limitar-se às meras informações. Deve além de propiciar ao acadêmico uma adequada formação intelectual, jurídica e universitária ou humanista, mormente ensiná-lo a julgar sensatamente, com rigor e isenção, sabendo distinguir o essencial do secundário.

Não é por demais repetir que a formação intelectual não consiste em meras informações transmitidas, consiste na capacidade de compreensão, análise e sintetização, ou seja na capacidade de julgar com critérios próprios e espírito crítico e mormente na capacidade de argumentação, de demonstrar o fundamento das próprias afirmações, com o emprego adequado da dedução, da indução. A formação jurídica vai muito além, consiste em adequar o profissional para enxergar o âmago, não apenas a letra fria da lei, mas ter uma compreensão do Direito em todas as sua dimensões, quer seja no nível dos valores de dignidade humana, liberdade, segurança e, sobretudo de justiça. É preciso ver o Direito como fato social, já que é para a realidade que o Direito existe.


10 Kourganoff, Wladimir. A Face Oculta da Universidade. São Paulo: UNESP, 1990, p. 36.


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Assim, necessita o jurista de uma formação humanitária, que seja aberta aos valores da cultura e os graves problemas que assolam a sociedade .A universidade deve ser centro de estudos, pesquisas, debates e reflexões sobre os problemas básicos da sociedade. É onde ocorre o aprofundamento da cultura, do diálogo entre as disciplinas, da compreensão e o respeito pelas idéias.

9.0. IMPORTÂNCIA DA CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO PARA O PROGRESSO DO SABER NA ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS.

É inconteste que o Direito contribui nitidamente para o progresso do saber na área de Ciências Sociais. Se uma das tarefas do cientista social é conhecer e explicar o que mantém os homens unidos, ou seja, entender a problemática da ordem social, o Direito muito tem contribuído para o desempenho dessa tarefa. Foi através de uma investigação sobre a natureza do Direito que os cientistas sociais clássicos como Montesquieu, Durkheim, Weber e o próprio Marx chegaram a formular suas teorias sociais. No Brasil essa influência é mais marcante, haja vista que os nossos cientistas sociais são ainda de formação jurídica. Importante avanços na área Social foram alcançados por profissionais da área jurídica como Raymundo Faoro, Afonso Arinos, Evaristo Moraes Filho, Vitor Nunes Leal, Cláudio Souto, Miguel Reale, Roberto Lyra Filho e muitos outros.

10.0. AS DIFERENÇAS ENTRE O ENSINO E A PESQUISA - CONCEITOS FUNDAMENTAIS.

O professor Wladimir assevera que o ensino superior, no sentido amplo, tem por finalidade formar estudantes. Esclarece o mestre que a formação pode apresentar os aspectos mais diversos, tais como ensinar ao estudante um certo número de noções (conceitos) e de relações novas para ele; fazê-lo assimilar "idéias", fixando em sua memória uma certa quantidade de informações; exercitá-los na utilização de métodos e de técnicas, isto tudo corresponde à instrução.

Todavia, um ensino completo não se reduz a mera instrução. A instrução deve ser entendida, segundo o professor citado11: "...um conjunto de operações que têm por finalidade proporcionar um saber abstrato (teórico) ou operacional (prático) àqueles que não o possuem, seja através de uma informação adequada ou de um treinamento (no mesmo sentido que se usa para treinamento esportivo)".

O saber adquirido sob o efeito do ensino difere do adquirido espontaneamente através de informações colhidas ao acaso. Aquele exige um esforço deliberado sistemático, planejado, alicerçado em exercícios, trabalhos, deveres, problemas práticos etc.

Observa-se que com os avanços da sociedade cada vez mais informada e o fenômeno da globalização, há um certo nível de conhecimento sobre tudo, todavia, de forma superficial, sem conhecimento das bases essenciais das coisas.

Destarte, o professor Wlademir apregoa que o ensino-educação pode ser caracterizado pelos quatro aspectos seguintes: a formação do juízo, ou seja, o ensino não visa apenas informar e proporcionar o domínio de uma certa capacitação, ele se propõe também a ensinar os alunos a julgar sensatamente, com rigor e probidade, sabendo distinguir o essencial do secundário; um outro aspecto da educação que se aproxima da instrução é o que consiste em ensinar o estudante a não depender dos professores; bem como ensinar o estudante a se adaptar ao trabalho de equipe, aprender a integrar, sem muitas vacilações, o produto de uma investigação solitária e de uma criação individual ao trabalho de equipe.

Outro ponto a ser destacado é que o ensino e a pesquisa são duas atividades com finalidades diversas, aquele visa a formação, esta pretende produzir novos conhecimentos, novas técnicas. Assim, esta


11 Kourganoff, 1990, p.36.


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profunda diferença de orientação corresponde a uma diferença não menos profunda na natureza dos trabalhos de ensino e de pesquisa. É curial destacar que os trabalhos de ensino do direto, os famosos trabalhos de pesquisa, a bem da verdade não tem nada de pesquisa.

Em sentido lato segundo a definição do professor mencionado: "a pesquisa pode ser definida, numa primeira aproximação, como um conjunto de investigações, operações e trabalhos intelectuais ou práticos, cujo objetivo é a descoberta de novos conhecimentos, a invenção de novas técnicas e a exploração ou a criação de novas `realidades'".

A pesquisa pode tomar a forma ou de pesquisa fundamental, aplicada ou de desenvolvimento. A primeira visa essencialmente descobrir as leis da natureza. A segunda, objetiva mormente inventar aplicações práticas para as leis fundamentais. A terceira busca procedimentos técnicos no nível de produção.

As pesquisas jurídico-científicas podem ser divididas em duas, segundo leciona o professor Joaquim Falcão12:

a) Pesquisa de base dentro da Dogmática Jurídica, que não se voltam imediatamente para aplicação da ordem legal, mas que buscam forjar novos conceitos e regras dentro da perspectiva do Direito como sistema normativo estatal lógico-formal. Estas são produzidas individualmente por juristas, sobretudo de Filosofia do Direito.

b) Pesquisa de base ou aplicada, que focalizam o Direito como fato ou Ciência Social, normalmente de cunho zetético. Estas são produzidas por instituições acadêmicas e de pesquisa, mas desvinculadas das faculdades de Direito. Exemplo destas podemos citar o caso da pesquisa sobre violência urbana do cedec/SP, sobre Assembléia Nacional Constituinte do Instituto de Ciências Políticas e Direito Público da Fundação Getúlio Vargas.

C. Gurson, assevera que "a simbiose de ensino e pesquisa não pode se realizar, salvo exceção, num mesmo indivíduo". Tal afirmação parte do pressuposto de que são díspares tanto a orientação do ensino e da pesquisa, quanto as atitudes características do pesquisador e do educador. Senão vejamos:

As atitudes características do pesquisador são várias, dentre elas destacamos a preocupação com a originalidade e a novidade; desprezam o saber geral, desejam superar os conhecimentos atuais em um âmbito reduzido; não revela a ninguém seus projetos, em face da acirrada competitividade na área de pesquisa; pelo mesmo motivo não divulgam seus métodos e técnicas; encaram a redação como algo maçante; tendem a monopolizar um pequeno domínio de sua disciplina e a fazer dele um espaço inviolável; recusam a aceitar velhas verdades.

De outra banda, o educador não se limita a transmitir, preocupa-se sobremaneira em explicar toda proposição obscura aos alunos, os métodos utilizados; a preocupação com a explanação compele o professor a se esforçar por redigir claramente.

11.0. INEXISTÊNCIA DE UMA MENTALIDAE DE PESQUISA

"Enquanto o primeiro mundo pesquisa, o terceiro dá aulas."

Inicia-se este tópico lembrando os dizeres acima de Pedro Demo. Incontestável assertiva, pois inexiste uma mentalidade de pesquisa na maioria das faculdades, em especial na de Direito, e quando existe é uma mentalidade individualista que dispensa a moderna metodologia científica. Há ausência da pesquisa instituciolanizada, que recebe apoio financeiro e programático específico da instituição e que se apresente como um projeto de pesquisa dentro dos padrões usualmente aceitos para a pesquisa científica. No III Seminário Nacional do COMPENDI, o professor João Maurício Adeodato da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco lembrava como a pesquisa é desestimulada e vista como algo estranho


12 Falcão, 1984, p.120.


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dentro dos cursos de Direito. Privilegia-se muito mais a parte de um ensino tradicional do que a própria pesquisa.

Se nas universidades públicas a pesquisa jurídica encontram-se em estado crítico, nas faculdades privadas a situação é muito pior. O problema é que o lucro e pesquisa em direito não combinam muito bem. Ora, a pesquisa é dispendiosa, requer grande investimento no suporte material e na formação do pesquisador, o que gera grande óbice para o empresariado, que objetiva precipuamente o lucro. Assim, a pesquisa jurídica limita-se praticamente à universidade pública. Esta por sua vez, sofre com a falta de interesse do Estado no fomento à pesquisa jurídica, unindo a incapacidade da administração dos cursos jurídicos em angariar recursos. Somando-se a isso, há flagrante desinteresse pela pesquisa por parte dos docentes que só é superado pelo descaso do corpo discente.

É necessário reverter a atual situação de escassez de recursos, de projetos e de iniciativas na área de pesquisa, em especial de Direito. Diante da magnitude da área, e dos escassos recursos oficiais, todo apoio e incentivo à pesquisa e à pós-graduação deve ser seletivo, e deve ter como parâmetros principais a flexibilidade operacional e o estímulo à inovação e à qualidade.

Outro grande problema da área é a ausência de qualificação e experiência dos eventuais candidatos a pesquisadores, o que torna a pesquisa em direito uma atividade secundária e menos importante do que o ensino. Sem contar com a falta de controle de qualidade da pesquisa jurídica, pois os órgão dirigentes das universidades e o próprio MEC não fiscalizam, não estimulam a dedicação e a produção científica. Há necessidade premente de tanto uma avaliação quantitativa, como qualitativa, para decidir a quem destinar verba de incentivo à pesquisa.

Um dos grandes óbice encontrado refere-se ao regime de trabalho de pesquisa que é a dedicação exclusiva. Referido regime tornou-se uma raridade nas universidades, em face ao baixo nível salarial praticado. Na área do direito, assim como nas ciências médicas e engenharias, o regime de dedicação exclusiva não encontra adeptos. Razão pela qual vislumbra-se total descompasso entre a pesquisa jurídica com as ligadas as ciências sociais, biológicas, nas quais a figura do pesquisador individualizado praticamente desapareceu.

Outro problema que afeta à pesquisa é o prazo relativamente curto imposto por certos organismos de pesquisa, a exemplo do CNRS; a condição social dos jovens pesquisadores que são impulsionados a uma especialização cada vez mais estreita: a concorrência.

De bom alvitre lembrar, uma pós-graduação em direito tem de estar fundamentada no seu projeto a um quadro geral de pesquisa. É imprescindível não só a efetivação dessa organicidade, como ainda, que haja uma articulação através da investigação científica entre o mestrado e o doutorado e um elenco de prioridades de temas a serem estudados, vinculados com a realidade social.

Os cursos de Pós-Graduação, Mestrados, devem privilegiar como questão central de pesquisa os processos integrativos dos estados, ou seja, contribuir no sentido de imaginar saídas para os problemas enfrentados pela sociedade, em especial advindos desse atual fenômeno que é a globalização, o qual acarreta mudanças em categorias tradicionais como a da soberania estatal.

Conforme o levantamento feito por Joaquim Falcão, provavelmente a metade dos professores que realizam pesquisas dedicam-se à pesquisa individual profissional-legal, que podem ser dividias em duas: a) pesquisa dentro da Dogmática Jurídica que tem por objeto a lei (Direito Positivo Estatal) e a sua aplicação b) pesquisas aplicadas as instituições jurídico-formais. Neste caso, estão os projetos sociológicos ou históricos sobre o perfil profissional dos advogados.

Oportuno destacar, nos últimos anos, cresce a pesquisa interdisciplinar que considera o Direito como fato social. O Direito, seja a ordem legal estatal, sejam suas instituições ou seus professores, transformou-


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se mais em objeto de pesquisa de antropólogos, sociólogos e cientistas políticos. Aliás, essa tendência observa-se em nível internacional, com a expansão recente na Europa, nos EUA e na América Latina. Entre as áreas mais trabalhadas destacamos da criminalidade urbana; o acesso à Justiça; as relações entre Estado e Direito, Direito como ideologia e os profissionais do Direito.

Existe uma considerável quantidade de pesquisa empírica sócio-jurídica sendo realizada sob a influência de entidades não universitárias, a exemplo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológio-CNPq. O Comitê de Direito do CNPq fomentou intensivamente pesquisas sócio-jurídicas estudos de pós-graduação no campo da Sociologia do Direito. Todavia, por volta de 1990 o CNPq, em sua representação jurídica parece bem mais inclinado a promover estudos jurídicos tradicionais. O CNPq tinha e tem possibilidade de continuar incentivando, através de seu Comitê sociológico a investigação sócio-jurídica.

Nos últimos quinze anos, o número de pesquisadores empíricos, em nível doutoral e de mestrado, da Sociologia Jurídica aumentou consideravelmente em relação a quase completa falta de desenvolvimento. A tradição de pesquisa da Sociologia do Direito no Brasil começou também fora das universidades: a primeira investigação empírica do país, sobre a receptividade social a uma lei agrária para o estado de Pernambuco, foi, como já se viu, realizada em 1960 por Cláudio Souto sob o patrocínio do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisa Sociais. No Brasil, os estudos sócio-jurídicos têm sido principalmente didáticos ou quase sempre meramente empíricos, não ultrapassando descrição e hipóteses setoriais.Têm sido mais ligados ao ensino do que à teoria. E têm sido mais orientados para pesquisa do que para teorias.

Roberto Lira Filho, denunciava vigorosamente o formalismo e alienação da perspectiva dogmática do direito e adquiriu um considerável número de seguidores entre uma geração mais jovem de juristas brasileiros, a exemplo de José Geraldo de Sousa Júnior; José Eduardo Faria Benedicto Motta, que une uma perspectiva filosófica e crítica com seu ensino de Sociologia do Direito na USP; Luiz Fernando Coelho , que liga uma teoria crítica do jurídico com as relações entre o direito e a sociedade, tendo em vista uma ciência social engajada na construção da sociedade

Por derradeiro, colacionamos os resultados da pesquisa processada por Joaquim Falcão sobre os Advogados no Brasil, que reflete cristalinamente como anda o ensino do direito :

A) pelo menos metade dos bacharéis brasileiros em direito não pratica o direito. Isso significa que as escolas de Direito no Brasil desempenham outras funções educacionais e culturais, além de preparar profissionais do direito;

B) a grande maioria dos brasileiros não tem qualquer acesso aos tribunais, por razões culturais, econômicas e legais. Isso quer dizer que os advogados não têm o monopólio do arranjo das disputas no Brasil; pelo contrário, desempenham um papel bem pequeno, embora dominante, quando se considera o todo das disputas sociais;

C) Bacharéis em Direito, inclusive advogados, são fortemente comprometidos com o ideal ocidental da regra do direito e do liberalismo como sua ideologia principal, mas a prática jurídica é controlada pelo formalismo legal (Dogmática Jurídica) com sua teoria jurídica predominante. Isso significa que profissionais jurídicos ajudaram a implementar a maior parte da legislação autoritária brasileira.

12.0.

CONCLUSÃO

O ensino do Direito no Brasil, salvo raras exceções, é deficiente, fruto de muitas décadas. O problema é abrangente e envolve a maioria das instituições de ensino superior. Dificuldades vão da falta de biblioteca, de estrutura física precária, a baixíssima remuneração dos professores, até dos programas de ensino divorciados da realidade profissional que será enfrentada pelos acadêmicos depois da formatura. A formação acadêmica é baseada fundamentalmente na transmissão de conhecimentos através de aulas


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expositivas, principalmente, através de leitura de obras jurídicas. Funda-se numa pedagogia arcaica, inteiramente centrada no professor em oposição à metodologia moderna, que apregoa uma pedagogia inversa, ou seja, centrada no aluno.

A metodologia aplicada como as aulas doutoriais, deve ser substituída, por seminários destinados à "pesquisa" e estudo de temas especiais, colóquios, debates, círculos de estudos e discussão, utilizando os processos da moderna dinâmica de grupo, par ao exame de acórdãos, sentenças, pareceres ou outras aplicações do Direito etc. Outras tarefas que podem estimular a participação ativa são as apresentações de casos de jurisprudência, pareceres, relatório de visitas a tribunais, delegacias e cartórios. Assim, ao invés de uma pedagogia centrada no professor, uma pedagogia fundada no aluno, para quem o conhecimento é sempre uma conquista pessoal e não algo que se encontre pronto e acabado.

A praxe jurídica exige do profissional um bem cultural máximo, tendo em vista que está envolto em normas jurídicas, universos construídos de valores que só podem ser compreendidos e interpretados pelo profissional solidamente preparado. Destarte, verifica-se imprescindível a filiação a um curso, a necessidade dos métodos utilizados e a informação científica organizada, traços marcantes que revelam o especialista.

Verifica-se que a inexistência de uma tradição universitária é a responsável pela pequena quantidade de pesquisas produzidas no Brasil. É um grande paradoxo que, como a oitava economia do mundo, o Brasil tenha uma produção científica inexpressiva, centrada praticamente no eixo Rio-São Paulo e Minas Gerais. Urge a promoção de incentivo à qualificação do docente em geral, promovendo cursos de aperfeiçoamento, publicações, concursos, bolsas de pesquisa, pois sem preocupação com a pesquisa o ensino não se qualificará devidamente, uma vez que ambas atividades são indissociáveis.

Para incentivar a pesquisa no Brasil forçoso dar maior divulgação do papel e das possibilidades do CNPq e de outras fontes de recursos, tanto estaduais e empresariais, quanto estrangeira. Outra saída é firmar convênios internacionais de intercâmbio acadêmico. Mecanismos como o da CAPES-COFECUB podem representar em encaminhamento para estimular uma política de pesquisa nos cursos de Direito.

A linha de pesquisa deve desdobrar-se em um projeto geral de pesquisa, de forma a refletir investigações científicas concretas, de forma a contribuir através da instituição de mecanismos próprios para as resoluções de problemas que surgem na sociedade contemporânea, como o da crescente globalização e seus reflexos na soberania estatal, a integração política e econômica, no controle de fluxo de capitais entre estados. Deve-se, também, evitar os modelos tradicionais de limitarem esses estudos a um único professor-pesquisador, pois o ideal é que transcorra dentro de um espírito de equipe, de cooperação.

Desaconselhável é a cumulação das atividades do professor em ensino e pesquisa, já que são atividades com finalidades diversas, consoante abordado linhas atrás. A universidade deve ser laboratório de aprendizagem, exterminando o sistema aula-prova. Este sistema arcaico deve mudar, pois o aluno deve estudar e reconstruir para aprender. Os professores devem agir como orientadores, incentivando os alunos a buscarem respostas, vez que para aprender mister se faz ter autonomia questionadora e criativa, é necessário ir além, romper, quebrar, enfatizar. Os alunos de iniciação científica aprendem: os outros copiam, como bem asseverou Pedro Demo. Somente através do ensino e da pesquisa poderemos conhecer a nossa realidade e assim apontar soluções adequadas as nossas condições reais.

Verificamos que no campo do Direito há forte tendência de dependência ou colonialismo cultural, ou ainda, de mismetismo, ou seja, mania de imitação, notadamente nos casos de transplante de doutrinas ou institutos jurídicos inadequados à nossa realidade, conforme abordado linhas atrás. Tal dependência traz grave conseqüência: a inadequação, em muitos casos, a ineficácia do Direito transplantado, que permanece apenas como letra morta, a exemplo do regime dotal, que não pegou, pois não entrou absolutamente em


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nossos hábitos e costumes. Ora, o sentido, a intenção ou finalidade a que estão voltados os institutos ou doutrinas estrangeiras podem quase sempre não coincidir com os nossos interesses. Transplantar um instituto significa colocá-lo em nosso meio, um elemento cultural cuja finalidade não corresponde à nossa.

A centralização de temáticas nacionais e a reflexão em profundidade sobre os questionamentos básicos de nossa realidade cultural, tanto no campo da Educação, da Sociologia, da Economia, da Política, do Direito etc, através do ensino e da pesquisa, propiciarão o conhecimento objetivo de nossa realidade, com a busca de soluções próprias, adequadas às efetivas condições dessa realidade, representam um caminho para a superação do colonialismo cultural. A capacidade de tomar decisões próprias demonstra a magnitude de uma cultura nacional no campo filosófico, científico, artístico para a promoção do desenvolvimento.

A função do Direito não se limita a aplicar sanções repressivas, a tarefa do direito é bem mais ampla, tem como fim precípuo o ordenamento da vida em sociedade, orientando a conduta de seus membros e a atividade de suas instituições. Para tanto, estabelece normas e procura garantir a eficácia das mesmas, atribuindo conseqüência positivas a seu cumprimento e negativas ou punitivas à sua violação.

O Ensino jurídico tem a missão precípua de fazer com que o desenvolvimento da sociedade se processe em termos de justiça, contribuindo para que a cada homem seja assegurado o respeito aos direitos que lhes são devidos. Para que isso ocorra, necessário se faz que as universidades formem juristas conscientes da realidade de seu País, humanizando-os de sorte que abracem a bandeira pela sustentação permanente dos valores fundamentais da justiça e da liberdade humana.

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