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ENSINO DO DIREITO NO BRASIL
1.0. INTRODUÇÃO O debate sobre o ensino e pesquisa em direito remonta a San Thiago e Rui Barbosa, permanecendo em nossos dias de forma mais vigorosa. Nesta perfunctória abordagem será lembrado o surgimento do ensino de direito no Brasil, que já no seu nascedouro evidenciavam os mesmos problemas atualmente detectados, ou seja, a formação jurídica retórica e literária, divorciada da realidade social e da transformação do país. Este estudo dedica um tópico reforçando a tese do passadismo e do divórcio do ensino do direito, apontando exemplificações vivenciadas no mundo jurídico que se encontram desconectadas da realidade brasileira. Ressalta a primordial necessidade de mudança na metodologia aplicada, tendo em vista que não se pode mais ficar preso as tradicionais aulas estilo coimbra. Abaliza as mais marcantes deficiências do ensino do direito, salientando que as reformas empreendidas, de um modo geral, cometem o mesmo erro, ou seja, visam os conteúdos em detrimento da metodologia, dão importância as conseqüências, sem chegar na fonte. Há premência de uma formação especializada, frente às peculiaridades do mercado globalizante. Urge repensar o ensino jurídico, a partir de sua base, investindo-se mais em pesquisa. Não se deve olvidar que a missão do ensino de direito deve estar comprometido com a transformação social e com a idéia de justiça social. 2.0. O SURGIMENTO DO ENSINO DE DIREITO NO BRASIL Na época do colonialismo português a elite brasileira buscava sua formação na metrópole, na Universidade de Coimbra, mais especificamente nos seus cursos jurídicos, motivo pelo qual a grande influência da escola lusitana sobre a criação do Estado nacional brasileiro. Portugal, até a reforma pombalina, tinha sua educação direcionada pelo fator religioso, a partir dessa reforma os ventos liberais movem as estruturas educacionais portuguesas. Entretanto, o liberalismo português demonstrou-se paradoxal: combina o ideário liberal, com o fim de modernização econômica, com poder estatal concentrado - o despotismo esclarecido de Pombal. Este signo marcará também o Estado brasileiro. Com a independência necessitavam as elites nacionais constituir quadros para a administração do novo país, assim as escolas foram encarregadas de reproduzir a ideologia do Estado Nacional. Foi esse o motivo dos constituintes de 1823 terem devotado empenho na discussão acerca da criação das Faculdades de Direito. Importante destacar, a independência política não ensejou a cultural, houve apenas uma mudança no referencial, dantes Portugal, após a independência espelhavam-se na Inglaterra e França. A nova Nação, a exemplo e por influência da formação recebida em Portugal por nossos estadistas, ensaia o ideário liberal, mas centraliza o poder no aparelho estatal. Neste paradoxo, nasce o ensino jurídico no Brasil, através da Lei de 11 de agosto de 1827, com ideais liberais do Estado constitucional, mas objetivando fornecer quadros para o aparelho estatal - centralizador. Assim, as faculdades de Direito não foram criadas no Brasil para formar advogados, profissionais liberais defensores dos interesses da sociedade civil contra o opressor, eventualmente o Estado. Muito pelo contrário, visava formar a elite político-burocrática. O renomado mestre Joaquim Falcão1 assevera que: As faculdades de direito foram criadas por dois outros motivos principais. Primeiro, porque, com a Independência, a administração colonial até então administração portuguesa fora rejeitada pela nova Nação. | |||||
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1 Falcão, Joaquim de Arruda. Os Advogados: ensino jurídico e mercado de trabalho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco Editora Massangana, 1984, p. 98. | |||||
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| Segundo, porque o Estado assumirá novas funções e necessitava de novos quadros profissionais. Como Estado independente o Brasil tem novas necessidades administrativas, políticas e sociais a serem atendidas... Insisto: o objetivo principal da criação das faculdades de Direito é a preparação de quadros que vão assegurar a sobrevivência administrativa e política do estado Nacional independente. O ensino jurídico no Império era caracterizado pela centralização e pobreza de recursos. Havia inicialmente só duas faculdades - São Paulo e Olinda, que eram um centro de formação geral à moda coimbra. Havia, também, carência de professores, que em geral se dedicavam a outras atividades. Já naquela época existia o desejo de reformas. Não obstantes as reformas empreendidas, a República Velha mantém o nível da formação jurídica retórica e literária, divorciado da realidade social e da transformação do país. Nessa época, a reforma do federalismo educacional de Benjamin Constant retoma a idéia do ensino livre de Leôncio de Carvalho, malfadada no Império. O ensino livre propiciou a criação de muitas escolas de Direito e o conseqüente aumento do número de matrículas e de bacharéis, mas não alterou a mentalidade reinante no ensino jurídico, mantidas as deficiências do Império. Já em 1941, o Professor Francisco Clementino de San Tiago Dantas, pronunciava um libelo pela renovação do Direito. Em 1947, na aula inaugural da Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, assevera que a classe dirigente no Brasil é responsável pela crise que se abate (1955) sobre a Nação, pela perda da capacidade de responder às demandas sociais. Aponta a Universidade como local de reabilitação da sociedade. Assevera que o objetivo da educação jurídica é a resolução dos conflitos sociais, observa que a faculdade não prepara para tal tarefa. Critica o método de aula expositiva de institutos e normas, tendo em vista que distante da realidade social, distante também da formação do raciocínio jurídico necessário à solução dos conflitos sociais. Propõe a substituição das aulas expositivas pelo case system, estudo de casos orientados para a formação do raciocínio jurídico, voltando os olhos dos que trabalham o Direito para as relações sociais. Sustenta a necessidade de especialização do bacharel, frente aos reclamos do mercado de trabalho, sem que isto implique a perda do que chama formação geral, o que é obtido, segundo o Professor, com a técnica do currículo flexível, potencializando as opções do estudante nos diversos ramos do saber jurídico. Interessante frisar que a proposta metodológica indicada pelo professor naquela época, ainda hoje é apontada como uma das alternativas mais viável para se quebrar a monotonia do estudo sistemático e descritivo dos institutos jurídicos. Por outro lado, o entendimento deste professor mereceu de autores respeitáveis, estudos deveras profícuos, inclusive muitas críticas, que não serão abordadas para não tornar tão prolixo o presente estudo. A política governamental iniciada no governo pós-golpe militar de 1964, contribui sobremaneira com a crise do ensino jurídico, pois nessa época houve a expansão indiscriminada do ensino superior, como forma de reverter à insatisfação política da classe média urbana e conseguir o seu apoio para o projeto de governo, bem como ocorreu, também, a centralização dos recursos orçamentários no ensino superior das ciências exatas, necessárias à industrialização crescente, no formato do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Com a expansão sem limites da educação superior ampliaram-se as instituições privadas, sem o devido controle de sua qualidade. Estas instituições, atraídas pelo baixo custo e alto lucro, preferem as ciências sociais. No caso especial do ensino jurídico, a multiplicação das profissões ligadas à área jurídica leva a uma vertiginosa procura por estes cursos. Por conseqüência, ocorre um aumento substancial desses profissionais, que ficam a "ver navios", vez que o mercado de trabalho não os absorvem. As faculdades de Direito permitem uma maximização da relação professor/aluno, diminuindo o custo por aluno, a remuneração do professor, por conseguinte, aumento dos lucros. Os alunos, com vistas | ||||
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| nas profissões afins à área jurídica não pugnam por uma formação mais completa (e especializada), por que as generalistas (menos exigentes) são mais convenientes. De outra banda, os professores mal remunerados vão a busca do sustento noutros ramos da atividade jurídica, o que degrada consideravelmente a qualidade do ensino ministrado. Assim, instaurou-se o círculo vicioso que assegura a reprodução da crise do ensino jurídico - a crise se perpetua. Com perseverança e apoio da sociedade como um todo, com certeza os desacertos serão superados. 3.0. ENSINO DO DIREITO: PASSADISMO E DIVÓRCIO COM A VIDA REAL
O ensino do Direito sempre esteve envolto ao passadismo e divórcio
com a vida real. Tem como norte o passado em lugar de orientar-se para
o presente e o futuro. Preocupa-se sobremaneira em explicar o direito
constituído. Como esse direito apareceu com base em circunstância
milenar, reflexo de uma problemática e um estilo de solução
remota, conduz a um ensino anacrônico.
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Montoro, André Franco (1914). Estudos de filosofia do direito.
2. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p.109.
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ser norma é fato social, reflexo do sentimento de justiça imanente a todo ser humano, condicionado pela realidade e valores do mesmo grupo.4.0. NECESSIDADE DE MUDANÇA NO ENSINO
Urge mudanças no ensino jurídico, há necessidade
de uma profunda reformulação, no que concerne à moralização
e às modificações do currículo e da metodologia.
Ora, o ensino jurídico ainda hoje encontra-se enraizado nas tradições
coimbrãs, o que se vê são apenas aulas discursivas,
excessivo dogmatismo, nenhuma contextualização do currículo
com a realidade social e com os novos ramos do direito, menor ênfase
a formação prática para o exercício profissional,
ausência de fórum/debates/ seminários/encontros a
respeito do direito positivo, visando o aprimoramento do ordenamento jurídico,
falta de formação ética.
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4
na obra de José Renato Nalini, in Formação jurídica,
2. ed., RT, 1999, p. 15:
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preocupações metodológicas e as disciplinas
formativas fariam dos juristas apenas `clínico gerais', sem dota-los
de habilitação técnica para execução
de "cirurgias".
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idéia difundida de que o mercado de trabalho na
área jurídica oferece oportunidade a todos faz com que os
cursos de direito ocupem lugar destacado no número de vagas oferecidas,
pois a demanda social cria mercado para as fábricas de bacharéis.
A crescente abertura de curso na área jurídica é
estimulada pelo baixo custo de manutenção, tendo em vista
que estruturado em aulas conferências, cujo único material
permanente é a sala de aula e o material de consumo se reduz ao
giz, não são necessários laboratórios, computadores,
estufas ou instalações sofisticadas.
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Miaille, Michel. Introdução Crítica ao Direito.
(1989) editorial Estampa, Lisboa pág. 18 e seguintes
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A Ciência jurídica hodiernamente praticada
não passa de mera formalização, um corolário
de legislação e doutrina, auto-aplicáveis ao caso
concreto. Os trabalhos desenvolvidos limitam-se às transcrições
de doutrinadores e legislações, sem uma análise crítica
e mais aprofundada. Ora, não é possível continuar
vivendo do passado, tendo em vista que o momento histórico é
outro, por conseguinte, outros são os nossos valores. Assim, urge
fazer uma releitura dos termos e teorias jurídicas utilizadas,
de forma a adequá-las à realidade em que vivemos, ao novo
paradigma vigente: o Estado Democrático de Direito.
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8
Miaille, 1989, p. 52.
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O Direito, no mundo globalizado, deixa de ser a concepção
jurídica exclusiva de cada Estado, para ser instrumento comum de
solução de controvérsia entre distintos Estados,
entre Estados e cidadãos de outro Estado. O curso jurídico
deve atender às necessidades de formação fundamental,
sócio-política, técnico-jurídica e prática
do bacharel em direito. A formação fundamental deve incluir
Filosofia, contemplando a Filosofia Geral e a Filosofia jurídica,
a Ética Geral e a Ética Profissional, Deontologia, além
de Sociologia, Economia e Ciência Política. A Psicologia,
a História, a Economia e a Antropologia estão a demandar
atenção maior.
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10 Kourganoff, Wladimir. A Face Oculta da Universidade. São Paulo: UNESP, 1990, p. 36. | |||||
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Assim, necessita o jurista de uma formação humanitária, que seja aberta aos valores da cultura e os graves problemas que assolam a sociedade .A universidade deve ser centro de estudos, pesquisas, debates e reflexões sobre os problemas básicos da sociedade. É onde ocorre o aprofundamento da cultura, do diálogo entre as disciplinas, da compreensão e o respeito pelas idéias.9.0. IMPORTÂNCIA DA CONTRIBUIÇÃO DO DIREITO PARA O PROGRESSO DO SABER NA ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS. É inconteste que o Direito contribui nitidamente para o progresso do saber na área de Ciências Sociais. Se uma das tarefas do cientista social é conhecer e explicar o que mantém os homens unidos, ou seja, entender a problemática da ordem social, o Direito muito tem contribuído para o desempenho dessa tarefa. Foi através de uma investigação sobre a natureza do Direito que os cientistas sociais clássicos como Montesquieu, Durkheim, Weber e o próprio Marx chegaram a formular suas teorias sociais. No Brasil essa influência é mais marcante, haja vista que os nossos cientistas sociais são ainda de formação jurídica. Importante avanços na área Social foram alcançados por profissionais da área jurídica como Raymundo Faoro, Afonso Arinos, Evaristo Moraes Filho, Vitor Nunes Leal, Cláudio Souto, Miguel Reale, Roberto Lyra Filho e muitos outros.10.0. AS DIFERENÇAS ENTRE O ENSINO E A PESQUISA - CONCEITOS FUNDAMENTAIS.
O professor Wladimir assevera que o ensino superior, no sentido amplo,
tem por finalidade formar estudantes. Esclarece o mestre que a formação
pode apresentar os aspectos mais diversos, tais como ensinar ao estudante
um certo número de noções (conceitos) e de relações
novas para ele; fazê-lo assimilar "idéias", fixando
em sua memória uma certa quantidade de informações;
exercitá-los na utilização de métodos e de
técnicas, isto tudo corresponde à instrução.
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11 Kourganoff, 1990, p.36. | ||||||
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profunda diferença de orientação corresponde
a uma diferença não menos profunda na natureza dos trabalhos
de ensino e de pesquisa. É curial destacar que os trabalhos de
ensino do direto, os famosos trabalhos de pesquisa, a bem da verdade não
tem nada de pesquisa.
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12 Falcão, 1984, p.120. | |||||
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dentro dos cursos de Direito. Privilegia-se muito mais
a parte de um ensino tradicional do que a própria pesquisa.
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se mais em objeto de pesquisa de antropólogos, sociólogos
e cientistas políticos. Aliás, essa tendência observa-se
em nível internacional, com a expansão recente na Europa,
nos EUA e na América Latina. Entre as áreas mais trabalhadas
destacamos da criminalidade urbana; o acesso à Justiça;
as relações entre Estado e Direito, Direito como ideologia
e os profissionais do Direito.
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expositivas, principalmente, através de leitura
de obras jurídicas. Funda-se numa pedagogia arcaica, inteiramente
centrada no professor em oposição à metodologia moderna,
que apregoa uma pedagogia inversa, ou seja, centrada no aluno.
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nossos hábitos e costumes. Ora, o sentido, a intenção
ou finalidade a que estão voltados os institutos ou doutrinas estrangeiras
podem quase sempre não coincidir com os nossos interesses. Transplantar
um instituto significa colocá-lo em nosso meio, um elemento cultural
cuja finalidade não corresponde à nossa.
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